OCLAE: Muito além dos 40 anos

A Organização Continental Latino-Americana e Caribenha de Estudantes (OCLAE) completou 40 anos de existência no dia 11 de agosto de 2006. Poucos dias antes das atividades comemorativas pela passagem dessa importante data, toda Cuba (país onde está localiz

Todavia, nunca é tarde ou demais para prestar merecidos reconhecimentos a essa entidade, que ao longo de sua rica história vem prestando acentuados serviços à humanidade através de sua luta antiimperialista, por soberania e integração entre os povos e nações e, sobretudo, amplificando e unindo os bramidos estudantis de todos os países em defesa da educação e por democracia (destacadamente em períodos em que se acentuaram o arbítrio em alguns países que vivenciaram sanguinárias ditaduras, como foi o caso de nossa nação com a UNE tendo sua sede queimada em 1964 e seus dirigentes caçados pela repressão durante anos). A OCLAE foi e continua sendo a porta-voz legítima dos anseios dos estudantes no continente, e quando outras ditaduras em diversos períodos ousaram tentar calar as entidades estudantis em seus respectivos países (Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia, Granada, Haiti, Nicarágua, entre outros), nossa organização internacional furava bloqueios e gritava para todo o mundo, de várias formas e por distintos expedientes, as atrocidades perpetradas contra os irmãos estudantes desses países.
 


Importante lembrar que toda essa história de lutas remonta a tempos bem anteriores, porém sem uma entidade capaz de centralizar e ser a canalizadora dos anseios estudantis clamados nos congressos continentais até então. A OCLAE tem 40 anos, porém sua gestação foi ainda mais longínqua, ultrapassando 60 anos.
 
Já no começo do século passado, estudantes de vários países se organizam localmente e reclamam por eventos capazes de aglutinar as entidades congêneres do continente e debater a realidade da educação em toda a região. Defendiam, desde então, uma luta conjunta mais sincronizada entre as entidades contra o sistema elitista da educação vigente e por um reforma universitária ampla capaz de rever conceitos acadêmicos, administrativos e políticos nas universidades. Algumas dessas bandeiras estão pontualmente narradas no Manifesto da Federação Universitária de Córdoba, escrito em 1918 e que mantém uma espantosa atualidade, onde entre outras progressistas reivindicações defende-se “… a soberania no mundo universitário, e que o direito de escolher seus próprios dirigentes seja atribuído também aos estudantes”.
 


Dessa forma, a pretensão de organizar a luta estudantil em todo o continente vem de longa data e o primeiro Congresso Universitário Americano (enfrentando inúmeras dificuldades), realiza-se em Montevidéu, Uruguai, em 1908. Num grande esforço de se manter a regularidade desses eventos, acontece o segundo Congresso na capital Argentina, em 1910 e um terceiro em 1912, na cidade de Lima, Peru.



Resultado de toda essa efervescência e não por acaso na mesma região que ousou organizar os estudantes por uma ampla reforma na educação superior, incide em um dos acontecimentos estudantis mais importantes e conhecidos em todo o mundo, ocorrido na Argentina em 1918: a Reforma de Córdoba. Este episódio específico da luta estudantil em nosso continente foi capaz de lograr êxitos de grande magnitude para época, sendo precursor de conquistas aspiradas até hoje por toda a comunidade acadêmica como a gratuidade no ensino (uma estupenda vitória num contexto em que a educação era altamente elitizada), autonomia universitária e, até, co-administração estudantil.“Desde hoje o país tem uma vergonha a menos e uma liberdade a mais. As dores que nos restam são as liberdades que nos faltam”, assinala poeticamente o Manifesto escrito pelos estudantes argentinos que aproveitaram o embalo para fundar a histórica Federação Universitária Argentina (que atualmente compõem o secretariado geral da OCLAE), em 11 de abril de 1918, realizando seu primeiro congresso entre os dias 21 e 23 de julho, proclamando a necessidade de autonomia, direção tripartite paritária, assistência livre, regime de concursos, periodicidade de cátedra, etc.



No ritmo dos estudantes argentinos e de outros países onde o movimento se encontrava mais organizado foi ganhando força a mobilização estudantil em um momento conjuntural favorável à ascensão das lutas, criando-se várias federações estudantis que até hoje se mantém atuantes, como é o caso da FEU de Cuba (entidade que preside a OCLAE), fundada em 20 de dezembro de 1922 e que recentemente (20 a 23 de dezembro) realizou seu último congresso.



A criação e consolidação dessas entidades nacionais foram decisivas em muitos momentos para efetivar ações progressistas de cunho mais amplo, como foi o caso da UNE no Brasil (fundada em 11 de agosto de 1937) com a destacada participação dos estudantes para que o governo do então presidente Getúlio Vargas declarasse guerra aos países nazifascistas na segunda Grande Guerra e na campanha do Petróleo é Nosso, pela nacionalização dos recursos minerais, entre outras campanhas conjuntas e extensivas a outros setores democráticos e patrióticos.



Já no ambiente de pós-segunda guerra mundial, marcada pela gestação da guerra fria e o esforço do movimento estudantil de todo o mundo em atuar na frente de combate ao imperialismo, é fundada a União Internacional de Estudantes (UIE), em 1946. Essa entidade existe até hoje e é integrada por diversas entidades de todos os continentes, inclusive a UNE.



Mas ainda faltava criar a tão almejada entidade estudantil de âmbito continental, capaz de aglutinar e impulsionar a luta em toda a região fazendo frente ao imperialismo, inimigo comum de todos os estudantes latino-americanos. Nesse esforço, em abril de 1948 tenta-se realizar mais um congresso continental que acaba tendo um desfecho trágico, num dos episódios mais sangrentos do movimento estudantil mundial conhecido como “O Bogotaço” (El Bogotazo), na capital colombiana.



A luta continua, e em 1955 é realizado o primeiro Congresso Latino-americano de Estudantes (CLAE), na cidade de Montevidéu, que dessa vez vai ser o marco de uma trajetória que culminará com a fundação da OCLAE em 1966, por ocasião do 4º CLAE realizado em Cuba. Mas antes disso, em 1957, ocorre um importante CLAE, o segundo, que logrou reunir representações de 20 países do continente em La Plata, Argentina, criando-se, nessa oportunidade, a Oficina de Relações Estudantis Latino-americana (OREL) que imporia maior ímpeto no desenvolvimento em torno da criação da OCLAE. Ainda merece destaque a invenção de uma pretensa Conferência Internacional de Estudantes (CIE), financiada pelos Estados Unidos em 1961, que tenta realizar um CLAE paralelo com objetivo de dividir o movimento e sabotar a criação da OCLAE, fato que é rechaçado pelos estudantes.



Finalmente, entre 29 de julho a 11 de agosto o 4º CLAE com o tema “Pela Unidade Antiimperialista dos Estudantes Latino-americanos” logra fundar a OCLAE. Os 22 países representados nesse evento acordam criar a Organização Continental Latino-Americana e Caribenha dos Estudantes como a entidade unitária e representativa do movimento estudantil de toda a região.



Desde então a OCLAE vem protagonizando várias lutas com o preço de muitas vidas, como a do jovem José Rafael Varona (Fefel), dirigente da FUPI de Porto Rico e do secretariado da OCLAE que morreu em 1968, vítima de um ataque ianque enquanto visitava uma escola no Vietnã em missão de solidariedade a esse povo. Muitos outros estudantes de vários países também tombaram lutando por democracia, soberania e pela educação libertária defendida pela OCLAE.



Em 1968, com a OCLAE já organizada, o mundo assiste um momento de verdadeira turbulência com os estudantes protagonizando várias manifestações em diversas partes do planeta, com destaque para Paris. Na América Latina a expressão máxima talvez tenha sido alcançada pelos estudantes mexicanos nas famosas jornadas de Tlatelolco e no Brasil com o enfrentamento a “ditadura escancarada” na memorável passeata dos 100 mil.



O 5º CLAE, primeiro após a fundação da OCLAE, é realizado na pátria de Allende, em 1973, com a consigna: A União Antiimperialista é a Tática e a Estratégia da Vitória. Pena que a esquerda chilena não tenha absorvido essa idéia e em conseqüência disso o Governo da Unidade Popular, encabeçado por Salvador Allende, tenha sofrido um golpe que levaria o país a uma das mais longas e cruéis ditaduras do continente.



Na América Central a OCLAE também atuou de forma a impulsionar as mudanças pleiteadas pelo movimento estudantil como as campanhas de ajuda material e moral nas cruzadas de alfabetização em países que tiveram vitórias contra as elites locais e contra o imperialismo, como Nicarágua e Granada, onde grandes levas de estudantes foram arregimentadas nas Cruzadas Nacionais de Alfabetização.



No início dos anos 80, com a escalada do governo reacionário de Ronald Reagan levado ao poder nos Estados Unidos, a OCLAE, em conjunto com as demais organizações associadas, realiza três importantes eventos estudantis: o Seminário Estudantil Latino-americano celebrado na Bolívia, o Seminário Estudantil sobre o Apartheid, o Fascismo e a Reação em Granada e o Seminário “O Papel das Organizações Estudantis na Luta contra as Bases e Tratados Militares Imperialistas na América Latina e Caribe”, realizado no Panamá. Todos esses eventos tiveram grande repercussão e conseguiram aglutinar muitas entidades, estudantes e movimentos sociais diversos, inclusive do Brasil.



A intervenção brasileira no movimento estudantil continental sempre foi muito evidente através da UNE e passa a se destacar ainda mais com participação dos estudantes secundaristas após a incorporação da UBES na OCLAE no ano de 1987, já no oitavo congresso da entidade. Foi esse um marco importante para que o movimento estudantil brasileiro passasse a protagonizar com mais intensidade sua influência na OCLAE.



Mais recentemente diretores de Relação Internacional da UNE e da UBES cumpriram destacado trabalho junto à OCLAE a partir do Brasil, sendo que nos últimos anos se vem destacando diretores a residirem em Cuba com tarefa específica no secretariado executivo da entidade através da UNE. A contribuição brasileira tem sido tão considerável que é hoje o único país a ter três entidades representadas no secretariado geral da OCLAE: UBES, UNE e ANPG (representando os secundaristas, universitários e pós-graduandos, respectivamente), sendo que a UNE compõe o secretariado executivo com mais duas outras entidades (FEU de Cuba e UNEN da Nicarágua).



Atualmente a OCLAE dá demonstrações de ter incorporado bem os ensinamentos da história, com a autoridade de quem “sofreu na pele” os anos mais duros da resistência às ditaduras e ao neoliberalismo. Por isso, sabe valorizar o novo momento vivido na América com as históricas vitórias eleitorais de candidatos não alinhados ao imperialismo. Nesse sentido, estimula as mudanças na educação pleiteadas há décadas, como fizeram os estudantes de Córdoba, agora numa conjuntura mais favorável, mantendo sua independência e autonomia.



Certamente essa breve resenha histórica do movimento estudantil continental diz pouco sobre a contribuição na luta internacionalista dos estudantes latino-americanos na região após a criação da OCLAE. Essa experiência ainda está sendo desenvolvida e seu potencial jamais poderá ser subestimando.



A OCLAE é a síntese das diversas entidades que a compõem, com as suas nuances e especificidades. Entretanto, ontem e hoje, sempre manteve erguida a bandeira em defesa da educação e contra o imperialismo, com uma atuação convergente e visão ampla. Nesse novo cenário político que vive a América, toda entidade com esse perfil merece nossos reconhecimentos mais entusiastas.



Muitos desafios estão pela frente. Mas o grau de unidade estudantil alcançado em nosso continente permite vislumbrar uma perspectiva de uma OCLAE cada vez mais combativa e fortalecida, para juntamente com os demais setores sociais, enfrentar o neoliberalismo na luta por uma educação de qualidade, democrática e comprometida com os anseios de nossos povos irmãos.



Vida longa à OCLAE!

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