Onde o neofascismo, o conservadorismo e neoliberalismo se encontram

Não é difícil localizar o bolsonarismo como uma contraofensiva à ascensão de classe das minorias identitárias a partir da implantação de políticas públicas pensadas para combater, também, desigualdades de gênero e raça

Fotomontagem feita com as fotos de: Laura Garcia/Pexels; Andrea Piacquadio/Pexels; Fiona Art/Pexels

Há um senso comum na política que imputa a derrota das esquerdas diante da ascensão de governos de extrema-direita no mundo a um suposto afastamento da agenda trabalhista para dar atenção aos direitos de pessoas lgbtq+, negros e mulheres.

Trata-se de um entendimento dos direitos humanos como uma perfumaria do debate político, como se as opressões nada tivessem a ver com as questões de classe, quando são essas opressões que constituem as fundações da hierarquia de exploração capitalista.

Essa ideia de que as pautas ditas identitárias são um aparato discursivo neoliberal que não vocaliza as ruas, mas compete com elas, é um artifício do próprio neoliberalismo para deslegitimar movimentos sociais que lutam para denunciá-lo.

Trazendo essa reflexão para o cenário brasileiro, não é difícil localizar o bolsonarismo como uma contraofensiva à ascensão de classe das minorias identitárias a partir da implantação de políticas públicas pensadas para combater, também, desigualdades de gênero e raça.

O Bolsa Família, por exemplo, é um programa de transferência de renda direta a mulheres chefes de família com impactos positivos que ultrapassam a superação da extrema pobreza. Por meio dele, muitas mulheres alcançaram a independência financeira necessária para abandonar parceiros agressores e assim romperem com o ciclo da violência doméstica.

Foto: André Salgado/O Povo

Uma outra violência privada muito brasileira, a exploração do trabalho doméstico em condições análogas à escravidão, pode ser combatida e saneada a partir da PEC das domésticas, um avanço importante para desconstrução de uma das nossas heranças mais coloniais.

Por meio da política de cotas raciais, os filhos e filhas dos lares mais pobres, não por acaso lares racializados e liderados por mulheres, puderam ter acesso às universidades, como forma de diminuir a disparidade econômica, social e educacional que oprime pessoas negras no país.

Estamos falando de conquistas obtidas a partir da contribuição dos movimentos sociais na construção de políticas públicas e que visam, mais do que a tutela do Estado para a resolução de problemas pontuais, uma mudança sociocultural para a emancipação dos corpos inferiorizados numa sociedade heteropatriarcal e branca.

É importante ressaltar que a contraofensiva neofascista empreendida pelo bolsonarismo no Brasil, pelo trumpismo nos Estados Unidos e por outros líderes de extrema-direita ao redor do mundo, encontra na agenda conservadora uma importante aliada.

O conservadorismo é fiador da propaganda lgbtqfóbica e transfóbica que criou histórias como o “Kit gay” e outras fake news pensadas para associar políticas de ações afirmativas a uma fantasiosa cultura de pedofilia que ameaça a infância e ataca os valores da família.

Bolsonaro e a mentira do kit gay – Reprodução

Segundo a teórica argentina Verónica Gago, é uma característica do neofascismo a construção de um inimigo “interno”, identificado naqueles que historicamente foram considerados estrangeiros do espaço público, justamente, as minorias identitárias que lutam por liberdade e denunciam as opressões como parte das engrenagens do capitalismo.

Encerro esse texto com uma anedota, na tentativa de ser mais didática, sobre as relações entre neoliberalismo, conservadorismo e neofascismo. Começa assim: o conservador e o neofascista entram em um bar. E o neoliberal, onde está?, você se pergunta. Simples: o neoliberal patrocina o encontro, serve a bebida e lucra com a embriaguez de todos.

Em outras palavras, o bolsonarismo é a esquina onde o neofascismo, o conservadorismo e o neoliberalismo se encontram. Para combatê-lo, é imprescindível o debate plural, ao mesmo tempo antineoliberal, antirracista e antipatriarcal, uma vez que foi construído a partir de uma gama distinta de afetos emergentes das mais variadas fissuras sociais.

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