Os extremos se cruzam

O ex-presidente Lula consolida uma candidatura assentada em alianças que vão muito além da sua força de origem, a esquerda

A luta política decididamente não é para principiantes, até porque é a face institucional da vida como ela é — e muita gente não entende isso.

Uma das fontes de incompreensão e mal entendidos é precisamente a maldita da realidade concreta no que diz respeito à correlação de forças na peleja em curso.

Forças que se digladiam em campo aberto são necessariamente compelidas a avaliarem as condições concretas da luta: o poderio real dos dois polos opostos, o exército de origem de cada um, aliados agregados e novos aliados hipoteticamente passíveis de serem agregados e outros tantos que pelo menos possam ser neutralizados.

Vale para o conflito militar e igualmente para a luta política e eleitoral.

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Nas eleições gerais do Brasil de hoje, em meio a multifacetada e arriscosa crise e sob ameaças cotidianas de ruptura institucional, essa comparação entre os “exércitos” litigantes é não apenas necessária, como exige respeito à experiência acumulada, descortino histórico e tático, largueza de espírito e muita habilidade.

Na disputa presidencial, é óbvio que entre os dois principais contadores — Bolsonaro e Lula — se estabelece conflito aberto entre duas concepções táticas.

O presidente atual, de extrema direita, aprofunda o discurso negacionista em todas as dimensões da vida e do exercício do poder e se isola numa caixa metálica constituída por extensa, porém insuficiente, legião de ensandecidos e inescrupulosos. Aprofunda o discurso do ódio aparentemente desatento à necessidade de arregimentar mais forças e se apequena.

No outro polo, o ex-presidente Lula consolida uma candidatura assentada em alianças que vão muito além da sua força de origem, a esquerda. A coalizão que o apoia vai se constituindo num verdadeiro arco-íris capaz de encantar a maioria do eleitorado, como diria João Amazonas.

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Mas a frente ampla em torno de Lula assiste também inusitada convergência entre correntes extremadas de matriz conservadora e “esquerdista”.

De um lado, segmentos do grande empresariado, incluindo o rentismo e o agronegócio poderosos, são atraídos para opção Lula em razão do desastre bolsonarista, entretanto exercendo pressão sobre o sistema de ideias que lastreiam o futuro programa de governo. Esperneiam através da grande mídia monopolizada, pondo gosto ruim em tudo que contrarie preceitos ultraliberais que lhes são tão caros.

Já à “esquerda” grupos barulhentos, contraditoriamente alguns ainda alojados na legenda petista, protestam contra a amplitude das alianças.

Em passagem recente de Lula por Pernambuco, facção barulhenta que na disputa estadual opta por ex-militante do PSB e do PT, hoje no Solidariedade, tem o desplante de comparecer aos eventos para agredir com palavras de ordem ofensivas e vaias componentes da frente popular e democrática reunida em torno da sua candidatura.

Como Lula tivesse sido eleito presidente duas vezes, e Dilma também duas vezes, impondo atestado ideológico ou folha corrida de coerência aos aliados de diversos matizes!

Assim, a velha assertiva de Lenin de que frequentemente os extremos se encontram no curso da luta concreta mais uma vez se confirma.

Ainda bem que o principal líder da empreitada tem maturidade e competência suficientes para seguir adiante se possível ampliando mais ainda o leque de alianças — para vencer e governar.

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