Parlamentando com Fernando

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Fernando Lyra I Foto: Reprodução

Recentemente reli o livro autobiográfico de Fernando Lyra, “Daquilo o que eu sei – Tancredo e a transição democrática”.

Relato leve – e em algumas passagens divertido – de sua participação num momento muito importante da vida política brasileira: o declínio e o fim da Ditadura Militar.

Nada de análise mais profunda ou considerações de natureza complexa sobre a sempre instável República brasileira.

Porém registro de fatos relacionados com a resistência ao regime militar e a conspiração que levou à candidatura de Tancredo Neves à presidência, vitoriosa no Colégio Eleitoral, que por sua relevância vale a pena ser conhecida.

Durante a minha releitura, o exercício daquilo que os psicólogos chamam de “atenção difusa”: enquanto lia o livro, em paralelo vieram à mente fragmentos de muitas conversas que eu tive a sorte de manter com o ex-ministro da Justiça escolhido por Tancredo.

Fernando foi magnífico parlamentar que cumpriu o papel de destaque na luta contra a ditadura.

Um interlocutor muito agradável, vivaz, criativo e convincente. Sobretudo intuitivo, como ele mesmo se definia

Ainda ministro da Justiça do governo Sarney, me convidou para uma conversa no Mar Hotel, em Boa Viagem.

Recebeu-me acompanhado da ex-repórter da TV Globo, Helena Beltrão, que então o assessorava.

Um diálogo, digamos, diplomático. Meramente exploratório.

O conteúdo essencial subentendido, sem necessidade de ser dito com todas as letras.

Eu sabia que ele queria especular de sobre a possibilidade de uma hipotética candidatura sua ao governo de Pernambuco.

Ele deseja sondar em que nível o PCdoB já estaria, ou não, comprometido com igual postulação de Miguel Arraes.

Então, comentou conversas que vinha mantendo com interlocutores de variadas tendências políticas para testar até onde poderia avançar.

Da minha parte, relatei o que sabia da movimentação de Arraes, àquela altura avançadíssimo em suas costuras. Não citei o PCdoB, mas ele compreendeu que já estávamos no projeto do ex-governador.  

Habilmente ele mudou de assunto e passou ao que mais o divertia, contar causos.

De outra feita, eu o visitei no gabinete da liderança do PSB na Câmara dos Deputados, que então ele exercia.

Mencionei o livro do historiador alagoano Douglas Apratto “A Tragédia do Populismo: o Impeachment de Muniz Falcão” e sugeri que o lesse por se tratar de um registro interessante da política nordestina.

– Fernando, se você quiser eu te mando um exemplar.

– Mande não, prefiro que você me relate o conteúdo. Não sou um bom leitor, sou sim um bom ouvinte, retrucou.

O que era verdade.

Do seu gabinete na Câmara ao restaurante do Hotel Nacional, nossa conversa durou umas boas três horas.

– A sessão na Câmara deve estar rolando, você é líder, não deveria estar lá?

– Se for preciso me chamam. Afinal, o que estamos fazendo aqui é minha obrigação de parlamentar, estamos “parlando”, como dizem os italianos…

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