Pernambuco e Paraíba premiados no Festival de Cinema de Gramado

A crítica à cidade em “Carro Rei”, de Renata Pinheiro, a questão sexual em “A primeira morte de Joana”, de Cristiane Oliveira, o cinema e a arte no isolamento social em “Álbum em família”, de Daniel Belmonte e a privatização de estatais em “Homem Onça”, de Vinicius Reis

Festival de Cinema de Gramado I Foto: Divulgação

O mais importante num Festival de Cinema nunca foi a premiação. Mas todo mundo fica contente quando premiado. Principalmente como aconteceu agora no 49º Festival de Cinema de Gramado, quando “Carro Rei” da caruaruense Renata Pinheiro ganhou o prêmio de Melhor Filme. E o paraibano Diego Benevides ganhou o prêmio de Melhor Curta-metragem com “A fome de Lázaro”. Em seguida, comento quatro filmes que concorreram em Gramado, inclusive o premiado “Carro Rei”.

Carro Rei

Cena do filme “Carro Rei”, de Renata Pinheiro I Foto: Divulgação

A cidade de Caruaru é colocada como totalmente dominada pelo carro. Que eu saiba, essa situação seria mais própria para Campina Grande. Porém isso não é importante para julgamento do filme “Carro Rei”, a mais nova realização da caruaruense Renata Pinheiro e que estreou no 49° Festival de Cinema de Gramado. Há muitos anos não vou a Caruaru, mas entre os anos 70 e 80 do século passado, visitei a cidade para participar de palestras. E Caruaru se destacava pelo pessoal de teatro, de música, da escultura em barro, do São João e os folguedos populares dançantes. Me diverti muito por lá.

Acho estranho que tenham classificado “Carro Rei” como uma ficção científica. Pelo fato dos carros falarem? Isso é uma nuance do argumento. Poderia ser visto como uma fábula moderna. Será que a classificação de ficção científica consegue atrair mais público? Uma pessoa que gosta desse gênero de filme começou a assisti-lo e com quinze minutos parou de ver e disse que essa definição era um atentado ao gênero.

A dupla Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, que já vem trabalhando junto há algum tempo, se sai muito bem, apesar desse comentário inicial que fiz. “Carro Rei” tem uma boa estrutura cinematográfica. Mostra uma narrativa muito segura e vai do começo ao fim como cinema de bom nível técnico.

Entretanto, me parece que a crítica que é feita à cidade poderia ser de forma mais irônica e não permanecendo como um produto dramático muito sério. E com imagens feias. Não é que a fotografia não seja boa. Com a grande experiência que tem como diretora de arte de muitos filmes pernambucanos, Renata Pinheiro deveria ter visto que seria melhor para o próprio filme um clima bem mais colorido. Inclusive as cores dos carros deveriam ter sido mais destacadas.

Fico triste por não conseguir elogiar mais esse novo filme pernambucano.

Olinda, 19. 08. 2021

A primeira morte de Joana

Filme “A primeira morte de Joana”, de Cristiane Oliveira I Foto: Divulgação

Esse “A primeira morte de Joana” é o segundo filme realizado pela cineasta gaúcha Cristiane Oliveira. O primeiro foi lançado em 2016 e se chama “Mulher do pai”. Cristiane já exibiu seus filmes em vários festivais internacionais e já recebeu prêmios inclusive na Índia. O lançamento de “A primeira morte de Joana” no Brasil foi em 17.08, concorrendo no 49° Festival de Cinema de Gramado.

O filme tem uma estória simples. Fala de uma garota que quer saber por que a sua tia-avó morreu aos 70 anos de idade sem nunca ter um namorado. E o argumento se desenvolve em torno desse fato com a presença da garota acompanhada de uma amiga durante férias com sua família. Certamente, o tema é instigante e deve tocar a todas as pessoas, pois trata de uma questão universal. Temos, todavia, uma estória contada aproveitando a presença dessa família específica, o que dá ao espectador a sensação de um filme extremamente regional. A questão sexual é tratada de uma forma clara, mas com discrição. Assim bonita.

“A primeira morte de Joana” porém é por demais frágil como elaboração cinematográfica. A direção de fotografia não aparece. A cinematografia é inexistente. Também não há direção de atores. Raramente temos uma cena onde aconteça o que é fundamental para a existência de cinema: drama. Muitas e muitas ocasiões principalmente, atores falam de costas para o público e sem que na cena exista pelo menos aparentemente necessidade de isso acontecer. A cena praticamente vazia e o ator falando de costas. Os intérpretes falam de uma maneira fria e não conseguem transmitir nenhuma emoção, com poucas exceções, em alguns momentos. A linguagem deveria ser simples, pois tudo indica que assim pensa a direção de Cristiane Oliveira. Mas não poderia deixar de lado a dramaturgia.

Com a estória que tinha e se tivesse trabalhado com uma equipe técnica mais criativa e presente, Cristiane Oliveira teria realizado um excelente filme.

Olinda, 18. 08. 2021

Álbum em família

Cena do filme “Álbum em família”, de Daniel Belmonte

Eu falei um dia desses sobre o isolamento provocado pela Covid-19 e o trabalho de criação do artista Daniel Santiago, que continua criativo apesar do seu isolamento. Hoje no 49º Festival de Cinema de Gramado vi o filme “Album em família”, que foi criado por um grupo no Rio de Janeiro com todos os participantes isolados por causa da Covid. Me parece sem dúvida uma prova de que a inteligência está sobrevivendo neste nosso país, que no momento está dominado pela burrice e maldade.

O filme foi dirigido pelo cineasta Daniel Belmonte, e foram atores Otávio Müller, George Sauma, Valentina Herszage, Ravel Andrade, Cris Larin, Eduardo Seperoni, Kelson Succi, Dhara Lopes. Confesso que não conheço esse pessoal. Teve a participação de três conhecidos: Renata Sorrah, Lázaro Ramos e Tonico Pereira. A trilha musical foi criada por Ricardo Imperatore e Pedro Nêgo.

O processo de criação foi todo, segundo afirmam, on-line. Debatiam a peça de Nelson Rodrigues “Álbum de família” e criavam cenas, cada um em seu espaço. E mostraram que se assenhorearam do espaço da internet com muita leveza. O filme foi sendo construído cena a cena e no final temos uma obra dramática, que pelo menos está próxima da expressão artística da criação do dramaturgo, o grande Nelson Rodrigues. Em torno da Tia Rute, a personagem, cria-se um jogo de cena que representa o próprio nível do filme. E temos no final uma criação que consegue reunir cenas teatrais como também apenas depoimentos sobre a peça e o autor, uma figura controvertida com a sua posição em defesa dos militares e ao mesmo tempo abrindo a verdade da família para quem quiser ver.

Enfim, os filmes vão mostrando que, independentemente da forma como são exibidos, o cinema continuará e a cada momento vai ganhando dimensões de arte autêntica.

Olinda, 17. 08. 2021

Homem onça

Cena do filme “Homem Onça”, de Vinicius Reis

Hollywood só conseguiu ser o que é até hoje porque desde o início foi dominada por produtores, e eles nunca deixaram que os filmes ficassem incomunicáveis. Desde o Cinema Novo, grupos brasileiros tentaram colocar esse princípio em nosso país, mas os cineastas não deixaram. E a questão é que no Brasil a produção de filmes sempre foi dominada pelos cineastas – diretores e roteiristas – e assim os filmes produzidos em nosso país esquecem principalmente o público. Que é o mais importante numa indústria capitalista. Isso continua até hoje. Nada mudou desde que faço críticas de cinema dos anos 50 do século passado até hoje.

Esse filme “Homem Onça”, que passou ontem no 49º Festival de Cinema de Gramado e vai ser lançado neste mês de agosto, tem assunto fundamental para ser debatido no Brasil que estamos vivendo agora, pelo menos enquanto tivermos esse governo fascista. A Privatização de Empresas estatais. Não é só isso. Não se trata de uma questão simplesmente econômica. É algo ainda mais fundamental.

É um filme feito pelo cineasta Vinícius Reis, que é carioca e já tem 13 anos de atividade como cineasta, mas não é realmente muito conhecido do público brasileiro. Enquanto assistia ao “Homem Onça”, eu tive dificuldade de me entender com o filme. Eu fiquei o tempo todo me perguntando: “o que será que esse ‘filme’ quer realmente? Por que ele começa com a estória da privatização, mas deixa a estória de um lado e fica caminhando por outro lado?”. Na última cena, eu entendi que a questão principal colocada pelo filme é o sentimento humano. A pergunta principal colocada é de quem é responsável. São os políticos ou somos todos? Pedro, vivido por Chico Díaz, coloca a questão mais profundamente. Por que diante de fatos tão desumanos quanto a demissão de velhos funcionários ninguém de uma grande empresa se rebela? Todos ficam calados e só falam se a empresa chegar à demissão pessoal, dele mesmo. O filme fala na dimensão do ser humano. Isso mesmo.

Mas também é preciso, sem dúvida, que os realizadores brasileiros aprendam a atrair o grande público para o cinema ganhar mais dimensão. Com o cinema entrando no espaço da internet, a coisa ainda fica mais necessária. Atores como Sílvia Buarque, Chico Díaz, Bianca Byington, Emilio de Mello, com os quais o filme conta, poderiam ser elementos de aproximação do público, como acontece no cinema de Hollywood. É preciso aprender a se soltar. O cinema brasileiro continua a precisar de produtores inteligentes e trabalhadores. Tudo acontece muito devagar neste nosso mundo cinematográfico.

Olinda, 15. 08. 2021

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