Popularidade de Bolsonaro: A culpa é do auxílio emergencial?
As oposições perderam a oportunidade de tomar a ofensiva política e construir as condições para o afastamento do presidente genocida
Publicado 17/08/2020 12:02
A pesquisa Datafolha publicada na última sexta-feira (14) parece ter surpreendido muita gente, em especial no campo oposicionista. Quem leu meu artigo anterior deve já imaginar que a pesquisa não me causou nenhuma surpresa. Afirmei, naquele texto que, diante da ausência de posicionamento unitário e da não apresentação de uma alternativa política ao enfrentamento da crise por parte das forças progressistas e de esquerda, não constituindo uma referência na qual a população pudesse depositar suas esperanças, Bolsonaro vai fazendo da tragédia sua arma política e não só neutraliza seu desgaste, como começa a recuperar espaço. Disse que seu discurso começa a ganhar força, visto que a carnificina já é posta como natural e a fala de “vamos tocar a vida”, em tom conformista, passa a ser assumida pela população.
Talvez muitos estejam contestando minha análise dizendo que a previsão estava correta, mas o diagnóstico errado. Afinal, o que a pesquisa aponta é o crescimento da aprovação de Bolsonaro como bom e ótimo, de 32% para 37%, e os dados apontam que este crescimento se dá especialmente nas camadas que se beneficiaram do auxílio emergencial, principalmente no Norte e Nordeste. Concluem, inclusive os grandes meios de comunicação e seus articulistas, que a mudança no cenário político decorre de pagamento do coronavoucher pelo governo federal.
No campo oposicionista e, em especial da esquerda, muitos passam a corroborar tal análise, alguns minimizando a situação, afirmando que o auxílio é provisório e não se sustentará por longo período, de forma que este quadro político é passageiro. Que quando ele se inviabilizar ou for suspenso, essa massa de despossuídos cairá na realidade e abandonará Bolsonaro.
Outros passam a se preocupar com o fato de que estamos perdendo a disputa de narrativas. Como pode o Bolsonaro estar se beneficiando deste auxílio, uma vez que ele queria dar somente duzentos reais e foi o Congresso que aprovou e forçou a concessão dos seiscentos. “Temos que falar isso para o povo”, “não podemos deixar o fascista capitalizar” que “não foi ele o responsável”, esbravejam. Ah, essa maldita disputa de narrativas que a gente quase nunca ganha.
Fazendo-se um recorte exclusivamente deste indicador, o de aprovação bom e ótimo, é evidente que o auxílio emergencial é o principal fator de sua alteração. Porém, não se pode absolutizar um único elemento de uma pesquisa. Ela tem que ser analisada como um todo para que se possa entender quais as relações reveladas por ela e quais são os elementos predominantes. Em se tratando de pesquisa de opinião, é necessário analisar a série histórica, pois só assim podemos detectar que tendências que ela aponta.
A pesquisa central, que trata da aprovação do governo, traz uma evolução dos que consideram ótimo e bom de 32% na passada para 37% na presente, cujo fator predominante de tal evolução, como já verificado por inúmeros analistas, foi o coronavoucher. Uma diferença de 5% percentuais, mas o que causa maior impacto é o fato de ser o maior índice de aprovação desde a posse. Os que desaprovam, ou seja, que consideram o governo ruim ou péssimo, na pesquisa passada representavam 44% dos entrevistados e muitos apostavam que caminharia para superar a barreira dos 50%. Porém, caiu na presente para 34%. Ou seja, uma queda de 10%. Qual a motivação destes 10% para mudarem de opinião, uma vez que não há evidências de que foram os que receberam o auxílio emergencial?
Antes de responder a esta pergunta, é fundamental analisarmos qual a consequência destes resultados. Até há pouco, quando alguém afirmava que ninguém caia com 30% de aprovação, eu respondia que ninguém se mantém tendo desaprovação próxima ou superior a 50%, mesmo com 30% de aprovação. A tendência que se apresentava até a última pesquisa era de caminharmos para estes índices. A queda de 10% no índice dos que desaprovam o governo Bolsonaro coloca pela primeira vez, desde maio do ano passado, o número dos que aprovam acima dos que desaprovam. Esta inversão nestes dois indicadores somada à recomposição do governo no Congresso coloca por terra, a menos que ocorra um terremoto político, qualquer possibilidade de impeachment e eu diria que até mesmo de cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Esta é a mudança do quadro político que a pesquisa aponta e, portanto, embora o auxílio seja um fator importante nesta alteração, pois atinge uma parcela significativa dos 5% que passaram a aprovar o governo, o mais importante é se investigar a motivação dos 10% que deixaram de reprova-lo. Este é o elemento central da pesquisa, a queda da reprovação.
Mas a resposta à pergunta, creio que já apontei no meu artigo anterior, ao qual me referi acima. A tragédia sanitária, econômica e social tomou magnitude estupenda e a falta de uma proposta que sirva de alternativa, colocada por uma unidade de forças que sirvam de referência política, fazem o discurso de Bolsonaro fazer sentido para uma parcela cada vez maior da população. Ou seja, mesmo com as medidas de isolamento e fechamento das atividades adotadas pelos prefeitos e governadores, morreram 100 mil e provavelmente morrerão outros 100 mil. Se a carnificina é inevitável, “a vida continua”, vamos voltar a trabalhar para não morrer de fome. Isto fica absolutamente evidente quando olhamos os dados da outra pesquisa divulgada no sábado (15) e a confrontamos com a pesquisa da sexta.
Na pesquisa que afere os índices de aprovação do governo, 37% aprovaram o governo como ótimo ou bom, mas somente 22% afirmaram confiar sempre em Bolsonaro. Na pesquisa divulgada sábado, no entanto, os entrevistados, quando perguntados se consideravam Bolsonaro como o principal responsável pelas 100 mil mortes, 47% responderam que não e outros 41% o consideraram como um dos responsáveis, mas não o principal. Quando perguntados se Bolsonaro era responsável pelo avanço da epidemia no Brasil, 49% responderam que não e outros 16% o consideraram somente um pouco responsável. Quando perguntados se consideravam o seu governador responsável pelo avanço, 55% responderam que não e 18% apenas um pouco responsável. Em suma, a população passou a naturalizar a pandemia, a vê-la como algo inevitável, e passou a adotar uma postura de conformismo com a situação. Nestas condições e sem que houvesse outro com força suficiente para lhe fazer contraponto, o discurso de Bolsonaro ganhou força.
Penso que este quadro nos mostra que – em decorrência da fragmentação e da falta de unidade em torno de uma proposta de enfrentamento da epidemia e suas consequências – as oposições perderam a oportunidade de tomar a ofensiva política e construir as condições para o afastamento do presidente genocida. Retornam à condição defensiva e de resistência e o Capitão dá mostras que pretende nadar nesta onda de conformismo, já abrindo a sua campanha pela reeleição. Chegamos aonde chegamos, não pelos acertos de Bolsonaro, mas, salvo raras exceções, pelos erros das forças opositoras. São inúmeras as contradições no governo, mas Bolsonaro não cairá pela força da gravidade e um segundo mandato será um desastre para a democracia.