Previdência: de onde virá o trilhão de reais que o governo quer?

O governo anuncia que a reforma da previdência vai lhe assegurar um caixa de mais de 01 trilhão de reais em 10 anos. Significa dizer que se o governo vai “economizar”, a população, especialmente a parcela de renda mais baixa, vai pagar essa fatura. Simples assim!

Foi para isso que você elegeu Bolsonaro? Tenho certeza que não!

Salvo uma pequena parcela de celerados de direita, figuras caricatas e intelectualmente obtusas, e ou saudosistas das ditaduras militares, a maioria dos que votaram em Bolsonaro não concordam com essas barbaridades. Votaram “tateando” por mudanças. Foram vítimas de uma pregação enganosa, na qual lhes diziam que os governos progressistas eram responsáveis por todos os problemas do país, reais ou imaginários, e sugeriam que a solução viria com a mudança de governo, seja qual fosse o governo.

Era preciso mudar, repetiam em uníssono praticamente todos os meios de comunicação. Mas agora que a conta amarga chegou o impacto e a frustração é brutal.

Quem pagará a conta?

Mas, afinal, de onde virá essa montanha de mais de 01 trilhão de reais que o governo pretende “arrecadar” com a reforma da previdência?

Não será dos militares. A economia com os militares, segundo os dados divulgados, será de algo como 10 bilhões de reais nos próximos 10 anos, mas em decorrência da redução do efetivo profissional da tropa e a sua substituição por temporários, o que fragiliza ainda mais a nossa capacidade de defesa.

Essa montanha de 01 trilhão de reais virá do povo, especialmente da parcela mais simples, dos mais humildes, de quem o governo pretende reduzir a aposentadoria rural – daqueles que produzem o alimento que chega à nossa mesa – e o benefício de prestação continuada (BPC) de 1.000,00 para 400 reais. Virá dos segmentos médios, para os quais o governo reserva a redução do teto da aposentadoria, a restrição de acesso a esse patamar e a elevação da taxa de contribuição para 14%. E também dos servidores públicos de maior renda, que terão sua taxa de contribuição elevada para até 17%!!!

E se tal violência já não fosse suficiente, o governo quer fixar em 65 e 62 anos a idade mínima para homens e mulheres se aposentarem, com um mínimo de 40 anos de contribuição. É para ninguém se aposentar!

E tem mais. O governo pretende retirar a cobertura previdenciária da constituição. Quer desobrigar o estado e os empresários, deixando a conta exclusivamente para os trabalhadores. Ademais, novas medidas restritivas contra os trabalhadores poderão ser feitos por simples leis ordinárias e não mais por emenda constitucional, cuja aprovação exige quórum qualificado. O cerco é impiedoso.

Os trabalhadores, por fim, terão que buscar no sistema bancário privado, por conta e risco, seus planos de previdência complementar se quiserem manter, na aposentadoria, um padrão de vida pelo menos próximo do atual. E essa é essência da proposta de reforma da previdência: transferir bilhões de reais para o sistema de previdência privada, controlado pelos bancos e demais especuladores.

Recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Rodrigo Maia (DEM, RJ), cansado das provocações dos bolsonaristas, anunciou que está se retirando da articulação da matéria e diz que compete ao governo cumprir esse papel, a quem responsabiliza pelas dificuldades de tramitação da PEC da previdência, na medida em que, segundo ele, “o governo quer pousar de bonzinho e deixar o ônus de ser contra o povo para os parlamentares”.

Como se vê, até mesmo os que defendem a aprovação da reforma da previdência admitem que ela é contra o povo, o que nos leva ao inevitável questionamento: por que, então, o governo e o congresso querem aprová-la, mesmo correndo risco de grande desgaste eleitoral?

A sociedade é dividida em classes e os seus interesses são, no geral, antagônicos. É a base do eterno conflito distributivo de renda pelo qual a classe dominante busca aumentar a sua riqueza espoliando ainda mais as camadas populares.

A reforma da previdência é um exemplo acabado disso. Um trilhão de reais serão arrancados do povo e repassados aos banqueiros e demais especuladores financeiros.

Qual é a alternativa a esse massacre?

Mas, diante do “terrorismo” midiático que diariamente alardeia que o país vai quebrar se não aprovar a reforma da previdência, é legitimo, igualmente, que se questione: qual é a alternativa?

Em primeiro lugar tratar com seriedade o assunto, sem mentiras e engodos, demonstrando a realidade e não a grosseira manipulação dos fatos como historicamente a classe dominante procura alardear.

O orçamento do país para 2019 é da ordem de R$ 3 trilhões e 382 bilhões, incluindo algo como R$ 120 bilhões de reais de investimento das estatais. O orçamento efetivo do executivo, portanto, é de R$ 3.262.209.303.823 (três trilhões, duzentos e sessenta e dois bilhões, duzentos e nove milhões, trezentos e três mil e oitocentos e vinte e três reais) e a forma como esse dinheiro será gasto é o que determina a prioridade real do governo e da classe dominante.

Desses 3,262 trilhões de reais nada menos do que R$ 1,560 trilhões (47,82%) serão entregues ao sistema financeiro, banqueiros e demais especuladores, assim distribuídos em bilhões de reais: rolagem da dívida (758,7); juros (378,9); amortização efetiva (287,3); demais despesas financeiras (135,2).

A parcela que sobra desse orçamento é da ordem de R$ 1,702 trilhões de reais (52,18%), com a qual se bancará todas as demais despesas do executivo, legislativo, judiciário e também os repasses constitucionais aos estados e municípios. E, obviamente, o déficit previdenciário.

Há estudos sérios que demonstram que não há déficit previdenciário e sim truque contábil por parte do governo. Deixemos, por ora, essa polêmica de lado e trabalhemos com os dados oficiais.

Na PEC da reforma da previdência, que ora tramita na Câmara dos Deputados, o déficit previdenciário informado pelo próprio governo, relativo ao ano de 2018, é da ordem de R$ 266 bilhões de reais (8,6% do orçamento), assim distribuídos: o regime geral da previdência social (RGPS), onde estão todos os trabalhadores da iniciativa privada, os servidores temporários, os rurais e o benefício de prestação continuada (BPC), será responsável por 196 bilhões de reais; o déficit do regime próprio da previdência social (RPPS) – todos os servidores públicos nas três esferas – será de 51 bilhões; e a previdência dos militares acrescentará outros 19 bilhões.

Fica claro que será dos mais pobres e não dos mais ricos – como a demagogia oficial alardeia – que o governo arrancará o trilhão de reais que pretende economizar com a reforma da previdência. A farsa está desmascarada.

Mas outra comparação também se impõe: admitindo os dados oficiais do governo o país gastará R$ 266 bilhões de reais com o déficit da previdência e R$ 1,560 trilhões com banqueiros e especuladores financeiros. O que é mesmo que compromete a nossa saúde financeira?

Diante desse quadro, apenas e tão somente o total desconhecimento da população de como o dinheiro público é gasto, é que possibilita o governo continuar mentindo e enganando a população. Nosso problema não são os aposentados, que em última análise sustentaram a economia do país, e sim a sangria de uma classe dominante, especialmente os banqueiros, que não conhece outra lógica que não seja a da brutal concentração de renda em suas mãos e miséria para os demais segmentos sociais.

A alternativa, portanto, é reduzir os juros bancários para estimular a atividade produtiva e aumentar o conjunto da contribuição previdenciária pelo volume de contribuintes e não pelo aumento da taxa; executar os grandes devedores da previdência, inclusive fazendo “encontro de contas” e pagando banqueiros com esses créditos; e, obviamente, reduzir essa sangria de quase 50% de todo o orçamento público que alimenta a especulação financeira, recorrendo aos mecanismos contábeis existentes.

Esqueçamos, pelo menos por ora, o folclore do governo em matéria de costumes e moralidade e nos dediquemos a esclarecer a população acerca dessa trama, dessa fraude, que está sendo mais uma vez armada contra ela.

Não está em curso uma reforma da previdência e sim uma brutal transferência de renda dos mais pobres para aumentar ainda mais a já brutal concentração de renda em torno dos mais ricos.

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