Prisões: privatizar é solução? (2)

Uma radiografia rápida dos presídios brasileiros, que atendem infratores maiores de 18 anos, revelará que hoje existem perto de 500 mil presos (no início de 2009 somavam 446.687 pessoas). Destes, 27 mil eram mulheres. A cada cinco presos, quatro são pardos ou negros. A cada ano o número de homens privados de liberdade aumenta 4%, e o de mulheres 11%. Cerca de 40% do total de encarcerados ainda não foi julgado, não tendo, portanto, sentença.

A maioria absoluta dos presos brasileiros é oriunda das classes D e E. 11% são analfabetos, 70% não completaram o ensino fundamental. Mais da metade têm de 18 a 30 anos. 45% deles estão presos por roubo, 15% por tráfico (entre mulheres, este número sobe para cerca de 40%), 12% por furto e 10% por homicídio. E em prisões onde mais de 70% deles vive em total ociosidade, não é de estranhar que a reincidência atinja quatro em cada cinco presos.

Segundo o ministério da justiça seria necessária a criação de 328 mil vagas no sistema prisional para resolver parte do problema. Isto caso não sejam cumpridos os cerca de 500 mil mandados de prisão existentes no país. No total, perto de um milhão de pessoas, com algum tipo de conflito com a lei transita entre presídios insalubres, o submundo do crime e a falta de alternativas de vida digna, como trabalho, estudo, moradia, educação e saúde. São os excluídos dentro da própria sociedade excluída.

Nas prisões convivem indivíduos sadios com portadores de doenças infecto-contagiosas, autores de delitos graves com autores de pequenas infrações. Tratamentos médico-odontológicos são raros e precários, celas chegam a abrigar quatro, cinco vezes sua capacidade, obrigando rodízios de espaços para descanso. Um dos piores pesadelos do recém-encarcerado, a pressão de grupos organizados faz com que cada preso seja forçado a pertencer a algum grupo ou facção, sob pena de sofrer violências físicas e sexuais. A escassez de defensores públicos, cerca de cinco mil no Brasil (seriam necessários ao menos doze mil) faz com que muitos permaneçam no cárcere após o cumprimento da pena.

Esta massa carcerária brasileira, já expoliada de seus direitos fundamentais, não passou despercebida do capital. Sob os ventos do neoliberalismo cria-se a discussão da privatização, com o surrado argumento de que o Estado não consegue cumprir sua função. Abra-se o mercado para a iniciativa privada! Se os índices de criminalidade e violência não param de crescer, aí está um novo nicho para o mercado. A defesa da privatização de presídios ao modelo estadunidense é sugerida como saída para resolver a situação prisional no Brasil, mesmo que inconstitucional e capaz de gerar mais violência, uma vez que só mascara o problema, não atacando suas causas e origens.

A privatização de presídios pressupõe que o Estado pagará à iniciativa privada por cada preso que encaminhar ao seu estabelecimento, que será administrado por pessoal contratado pela empresa para este fim. Pressupondo que qualquer coisa será melhor que a situação atual, deixa-se de considerar o cumprimento da lei como única alternativa para a solução do problema. A LEP, Lei das Execuções Penais, caso cumprida, certamente garantiria, além da dignidade no cumprimento da pena, a tão almejada ressocialização e posterior capacidade de reintegração social do infrator.

O que se verifica nos países onde a privatização ocorre é o endurecimento da legislação, e não a diminuição da criminalidade. Nos EUA, nos estados onde é exercida a política de Tolerância Zero (justamente onde a iniciativa privada é mais forte no setor), não se notou diminuição da criminalidade, e sim o aumento dela. A política de punir com rigor pequenas infrações para coibir infrações mais graves lotou presídios com jovens, desempregados, portadores de sofrimento mental, em sua maioria autores de pequenos furtos, infrações de trânsito ou desobediências civis, grande parte deles negros ou hispânicos. Mas a Tolerância Zero não impediu que os matadores em série continuassem atirando em vítimas civis, nem que o país seja o maior consumidor de drogas do mundo e que para isto o tráfico de drogas seja igualmente o maior do planeta.

Num sistema baseado no lucro, como poderá a iniciativa privada oferecer melhores condições e benefícios adicionais aos detentos? Como impedir que trabalhadores precarizados que o trabalhador público, concursado, não se comprometa com o crime organizado e a corrupção? Uma empresa que obtém seu lucro no encarceramento tenderá a ´pressionar pela não aplicabilidade das penas alternativas mesmo para delitos leves? Ou o lema "fazer mais com menos", tão ao gosto dos neoliberais tornará ainda mais escassos os já poucos serviços oferecidos aos privados de liberdade?

(continua)

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor