Revolta da Vacina confirma o quadrinho brasileiro entre os melhores do mundo

Autor: Thiago Modenesi

Revolta da Vacina, nova HQ de André Diniz que a Editora Darkside publica com um acabamento para lá de luxuoso, é daquelas obras que a gente lê numa tacada só e depois retorna para degustar os detalhes.

O fio narrativo do drama de Zelito, um boêmio e amargurado artista que vê seu irmão, filho preferido, falecer e obrigá-lo a sair de Fortaleza na busca de tornar-se o “homem da família”, funciona para nos apresentar na arte de Diniz um Rio de Janeiro em plena transformação nos primeiros anos do século XX, em pleno ambiente que emulava a Revolta da Vacina.

Com uma riqueza de detalhes históricos que percorre os principais fatos e nuances do que foi a luta de Oswaldo Cruz para implementar a vacinação em massa contra a febre amarela na então capital federal apinhada de insetos rondando a sujeira e o mau cheiro que a acompanha, a obra nos faz refletir e compreender melhor as origens do ato de questionar e politizar as campanhas pela vacina, mas também mostra como as elites cariocas expulsaram as camadas populares das regiões nobres do Rio e foram alargando e moldando a cidade para os mais abastados.

Os dramas de Zelito vão aumentando em sintonia com o crescimento da tensão social no Rio, marcando a resistência popular contra as mudanças, a HQ flui de maneira agradável e cuidadosamente dramática, um enfoque muito interessante por parte do autor, que dá uma leve pitada de humor mordaz na luta incessante que Zelito enfrenta dia após dia em busca de uma vaga de desenhista em algum jornal da capital. Os pesadelos do protagonista são um episódio destacado, mostram todas os seus dilemas internos, dúvidas e frustrações.

Chama a atenção também a profundidade do protagonista Zelito que Diniz nos apresenta, com toda a sua dificuldade de aceitar as opiniões alheias, seu jeito machista na relação com as mulheres, a maneira agressiva que se comporta com os que estão ao seu redor e a flexibilidade moral para alcançar o que quer. Zelito é um artista frustrado, que carrega problemas com seus pais, seu passado e com dificuldade de planejar seu futuro.

Esse turbilhão, apresentado com elegância e harmonia por Diniz, encanta da primeira a última página. Os desenhos são de uma clareza nas expressões e ganham contornos convincentes e retratam todo o momento histórico na reprodução do cenário carioca.

O tempero final é o posfácio do historiador Luiz Antônio Simas que dá ainda mais detalhes nas contradições sociais e politicas do governo do então prefeito Pereira Passos, a luta entre as classes sociais cariocas e os desafios na tentativa de imunizar a população da cidade contra o avanço da febre amarela e outras mazelas. O livro fecha com desenhos de artistas do período publicados na imprensa da época.

Revolta da Vacina mostra como o quadrinho brasileiro construiu nas últimas décadas toda uma forma e conteúdo que une ficção e História de maneira leve, descontraída e eficiente, junta-se a obras como Angola Janga e Cumbe, de Marcelo D’Salete; Avenida Paulista, de Luiz Gê; Adeus, Chamigo Brasileiro e Brasileiros, de André Toral.

Thiago Modenesi é licenciado em História, Especialista em Ensino de História e Ciência Política, Mestre e Doutor em Educação, é professor e pesquisador sobre charges, cartuns e histórias em Quadrinhos e editor do selo de histórias em quadrinhos Quadriculando, além de presidente do PCdoB em Jaboatão dos Guararapes/PE e colunistas do Portal Vermelho.

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