Revolução Argelina: Registro histórico da resistência ao colonialismo

A Revolução Argelina, um importante marco histórico das lutas nacionalistas pela descolonização, completou 54 anos. Em julho de 1962, um referendo popular declarava o desejo dos argelinos pela independência da França, após oito anos de combates de registros cruéis, mas que findaram em heroica vitória. Resistentes e intelectuais deixaram verdadeiros legados à luta dos povos por emancipação nacional, na resistência à dominação estrangeira.

Em oito anos de combate entre a potência colonial, França, e a Frente de Libertação Nacional (FLN) argelina – com outros grupos e milícias envolvidos de forma controversa – a FLN estimou, em 1962, que cerca de 1,5 milhão de pessoas morreram. Autoridades francesas declararam estimativa menor: cerca de 350 mil mortes, atribuindo-as convenientemente às táticas de guerrilha da resistência argelina.

A brutalidade da guerra, entretanto, foi evidente, assim como era a da colonização. A tortura e os assassinatos eram prática frequente das autoridades francesas desde que se instalaram na Argélia, em 1830, numa tentativa de aplastar a resistência. Mas a linguagem orientalista identificada pelo palestino Edward Said na narrativa que justificava a crueldade colonizadora, sobretudo britânica e francesa, foi o que se encontrou nas declarações que taxavam os argelinos de “selvagens”.

O filósofo Alexis de Tocqueville, por exemplo, em seu Ensaio sobre a Argélia (1841), avaliou as práticas da queima de colheitas, o confisco de estoques e a detenção de homens, mulheres e crianças desarmadas. Ele as classificou de “necessidades infelizes” às quais “qualquer povo que queira guerrear com árabes deve se submeter”, tornando “a vida das tribos” que apoiavam o emir argelino Abd el-Kader na luta independentista “tão intolerável que elas o abandonarão”.

As práticas da potência colonial francesa são brevemente relatadas por Laleh Khalili no livro Time in the Shadows: Confinement in Counterinsurgencies (“Tempo às Escuras: Prisão em Contra-Insurgências”, sem tradução para o português). A autora destaca o papel central dos militares tanto na repressão quanto na própria colonização, assim como as táticas da “crueldade desnecessária” e das execuções sumárias.

Um marechal francês que lutara sob o mando de Napoleão, Thomas-Robert Bugeaud, citado por Khalili, declarara abertamente: “precisamos esquecer essas batalhas orquestradas e dramáticas que os povos civilizados travam entre si e dar-nos conta de que táticas não convencionais são a alma desta guerra [contra os argelinos]”. Mas nada disso bastou para aplastar a resistência, firme do princípio ao fim.

Além do apoio dos países socialistas, a internacionalização da chamada “Questão Argelina” refletiu-se em sua inclusão na agenda da Assembleia Geral da ONU desde o começo dos combates. Os argelinos denunciavam então a hipocrisia das declarações francesas de compromisso com negociações diplomáticas e a paz. Em 1958, portanto, declararam a República Argelina, com um governo provisório sediado na Tunísia, liderado inicialmente por Ferhat Abbas.

Diversos intelectuais e combatentes que integraram a FLN inspiraram outros movimentos de libertação nacional. Um exemplo é Frantz Fanon, nascido na Martinica – ainda hoje sob colonização francesa, com estatuto de “região administrativa”. O psicólogo marxista, dedicado à análise do colonialismo, partiu da França para a Argélia e escreveu ali Os Condenados da Terra (1961), onde defende o uso da violência revolucionária nas lutas por independência, contra as forças coloniais que consideravam os povos sob colonização “menos que humanos”.

Fanon escreveu diversos artigos para o jornal El-Moudjahid, que editava, e analisou o caso argelino no livro Sociologia de uma Revolução (1961, disponível no link do título). Foi embaixador do governo provisório em Gana e das anotações de várias das suas viagens pela região derivou o livro Rumo à Revolução Africana (1964).

Zohra Driff, Hassiba Ben Bouail e Djamila Bouhired


O papel das mulheres na Revolução também foi preponderante. Zohra Drif e Djamila Bouhired, por exemplo, juntaram-se à FLN ainda na juventude. Ambas e o líder da FLN, Saadi Yacef, foram detidos em 1957. Djamila foi acusada de um atentado a bomba que matou 11 pessoas, mas seu advogado empenhou-se por devolver a acusação às autoridades francesas, que teriam encenado a ação. Zohra foi condenada a 20 anos de trabalho forçado e, na prisão, escreveu A Morte de Meus Irmãos, mas foi libertada no processo de independência. Djamila foi condenada à execução, mas diante da atenção internacional ao que acontecia na Argélia, foi presa para a França. Libertada pouco depois, presidiu a Associação de Mulheres Argelinas após a independência.

Internacionalização da resistência argelina

Em 1960, a resolução 1573 da Assembleia Geral da ONU reconhece o direito à autodeterminação do povo argelino e o desejo dos “povos dependentes” por liberdade. No mesmo ano, a resolução 1514 institucionalizava a Declaração da ONU sobre a Concessão de Independência a Países e Povos Coloniais, na que se baseou a criação do Comitê Especial da ONU para o assunto, no ano seguinte. As lutas por descolonização ganhavam um foro institucional e internacionalizado. Na África, a Organização da Unidade Africana – hoje, União Africana – estabelecida em 1963 também desempenhou papel fundamental, composta por um grupo progressista de nacionalistas em que a Argélia se integrava.

Após a assinatura dos Acordos de Évian, em 1962, os referendos na França e na Argélia davam vitória praticamente unânime (91% no primeiro caso e 99,7%, no segundo) para a independência argelina. Em 3 de julho do mesmo ano, o presidente francês Charles De Gaulle, que calculava formas de manter a influência francesa na região e o acesso às reservas petrolíferas do Saara, admitiu a independência da Argélia, cujo primeiro presidente foi o socialista Ahmed Bin Bella.

Logo depois de participar da sessão na ONU que hasteou a bandeira da Argélia como Estado membro, em outubro de 1962, em Nova York, Bella partiu para Cuba, para manifestar solidariedade ao povo cubano em sua própria Revolução. Os dois países estabeleceram um forte vínculo de cooperação e amizade, como relatou Bella em 1992, no artigo Che Guevara, Cuba e a Revolução Argelina, publicado no semanário estadunidense The Militant.
(Na foto, o presidente Bella recebe Che na Argélia)

A revolução enfrentava ameaças internas e regionais – como do Marrocos, mas com o apoio direto dos Estados Unidos – e o empenho das forças cubanas na sua defesa, assim como o do Egito Nasserista, é reconhecido no artigo de Bella. O presidente, que via na África um continente de enorme potencial revolucionário, conta que Che Guevara o considerava “o elo frágil do imperialismo”, pelo que decidiu partir para Angola e Congo.

A Revolução Argelina é um marco histórico nas lutas nacionalistas contra a colonização na África e também em outras lutas emancipatórias, como a do povo palestino e a do povo saaraui, que ainda resistem à ocupação por Israel e pelo Marrocos e recebem firme apoio da Argélia. Relatos mais aprofundados sobre a mobilização argelina na resistência e na solidariedade internacionalista são essenciais para o entendimento sobre os nacionalismos progressistas na região.

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