“Rio Doce” é o melhor filme no 10º Olhar de Cinema- Festival Internacional de Curitiba

O filme de Rio Doce, de Fellipe Fernandes, passado em bairro pernambucano e o drama familiar coreano Nam-mae-wui yeo-reum- bam, de Yoon Dan-bi

Filme "Rio Doce" I Foto: Reprodução

Um Rio Doce em Olinda

Já que o título escolhido pelos realizadores do filme busca diretamente uma aproximação com Rio Doce, um dos bairros pobres de Olinda, é claro que um espectador morando na cidade e conhecendo bem a região, no comentário não posso me ausentar de comparações que realmente não são fundamentais para um julgamento. Mas importam e falam por si.

Quando eu era profissional da crônica cinematográfica, eu sempre fazia entrevistas com os realizadores, e assim meu comentário era em cima do próprio filme, mas principalmente em cima do que eles diziam. Entretanto, sobre “Rio Doce”, vi a obra, li uma crítica de Luiz Joaquim e uma entrevista do diretor Fellipe Fernandes. Estou informado e sabendo pelo menos superficialmente quem é o diretor e roteirista.

E por isso mesmo considero que o filme ganharia muito mais autenticidade plástica se Fellipe Fernandes junto com o fotógrafo e o diretor de arte tivessem buscado mostrar do ponto de vista de imagem o bairro. Rio Doce tem uma característica plástica sem dúvida pessoal, e os realizadores certamente perderam não indo buscar destacar essa expressão. Aqueles pequenos edifícios do bairro Rio Doce podem ser dramaticamente plásticos. É claro que enquanto vai mostrando o desenvolver do personagem principal – Tiago, vivido por Okado do Canal –, o filme consegue exprimir muito da realidade social e psicológica do bairro, expressando bem quem são aquelas pessoas. Embora o cinema que se faz hoje não tenha a presença do drama social, tanto quanto era nos anos 40, 50, 60 do século passado, os filmes em geral dizem muito e ajudam a quem se interessar em conhecer a sociedade que está sendo apresentada, como é o caso desse “Rio Doce” e do coreano “Moving on”.

Bairro Rio Doce, em Olinda I Foto: Reprodução

Ambos filmes podem ser classificados como um simples drama familiar. No filme pernambucano, toda a narrativa é sustentada pelo pai – rapaz de 28 anos e que enfrenta as relações dramáticas provocadas pelo lado econômico. Coisa que a família coreana de classe média parece não ser atingida. Entretanto, algo que os dois filmes possuem é uma densidade plástica, com isso sustentando o lado dramático. Mas a jovem cineasta coreana, que também fez seu primeiro longa, mostrou mais abertura para deixar a narrativa mais limpa, clara, e assim melhor conseguindo criar uma linguagem própria, artística cinematográfica.

Filme “Nam-mae-wui yeo-reum- bam” I Foto: Reprodução

Fellipe Fernandes está entrosado nos mais novos grupos do cinema pernambucano e inclusive já foi assistente de Kleber Mendonça Filho e de Renata Pinheiro. Ele é também realizador de curtas que foram exibidos em festivais, um deles em Cannes.

Olinda, 13. 10. 21

Segunda visão de “Rio Doce”

Parece falta do que fazer, mas na realidade, quando assisti à entrevista do cineasta Fellipe Fernandes ao crítico Luiz Joaquim, me interessei em ver pela segunda vez o longa-metragem “Rio Doce”. E só não o vi todo porque a organização do Festival de Curitiba cortou a exibição por causa, certamente, do prazo. Coisa de festival mal estruturado. Mas para o que eu quis, já foi o suficiente.

Julgar a interpretação do ator principal, que é um artista múltiplo, Okado do Canal. E utilizar o que dele disse o diretor, inclusive mostrando que o rapaz foi fundamental para que o filme seguisse o caminho do desenvolvimento do personagem. Claro que isso realmente acontece e já aconteceu em muitos casos famosos, como nos filmes de Michelangelo Antonioni, quando Marcelo Mastroianni e Mônica Vitti sem dúvida fizeram pelos seus comportamentos que as estórias dos filmes caminhassem por estranhos caminhos.

No caso de “Rio Doce”, o que não aparece é genialidade. Fellipe Fernandes conhece bem a técnica de fazer cinema moderno. Isso tenho a impressão que pode ajudar, mas também bloquear a explosão de um cinema não totalmente correto em sua forma técnica, mas genial em sua expressão artística. Isso faz com que o artista se prenda com medo de errar. E somente com o erro é que a obra de arte pode chegar aos extremos.

Ator Okado do Canal em Rio Doce I Foto: Reprodução

Parece que essa é uma questão do cinema atual. Ou mesmo da vida criativa atual. Todo mundo sabe com perfeição como se deve fazer com a técnica correta. E então se esquece de que é no erro que se encontra a grandeza criativa.

Claro que a mim pessoalmente esse filme prendeu pelo que mostra do bairro Rio Doce e a vida que lá se viveu ou ainda vive. Minha primeira sogra morou lá um tempo. E sou atraído pela forma de comportamento das pessoas que lá moram. Inclusive, o pessoal que trabalha no filme de Fellipe Fernandes na sua maioria deve ter um bom relacionamento por lá, o que ajudou nas interpretações e não só do personagem principal. O diretor declarou que tem familiares morando em Rio Doce e que poderá fazer dezenas de filmes tendo como ambiente esse local de Olinda. O problema pode ser que filmes como “Rio Doce” poderão se tornar difíceis para serem entendidos pelo público não-nordestino. Os dramas vividos não são diferentes do resto do mundo, mas sim a forma, principalmente da maneira de falar.

Olinda, 14. 10.21

Se movendo na Coreia do Sul

Filme “Nam-mae-wui yeo-reum- bam” I Foto: Reprodução

Eu botei esse título aí para melhor atrair o leitor, pois não consegui descobrir pelo google o que realmente seria a tradução de “Nam-mae-wui yeo-reum- bam”, que em inglês foi traduzido por “Moving on”. Trata-se de um suave filme da cineasta Yoon Dan-bi, coreana que assim fez seu primeiro longa-metragem. E realmente me pareceu que o filme, em exibição no Mubi, tem todo um toque de beleza feminina. E por isso achei que estava vendo um cinema suave e muito agradável em toda sua extensão, que é apenas de 1h44min.

Não é um melodrama, mas um simples drama familiar. Um autêntico retalho de um momento na vida de alguns membros de uma família coreana, e talvez até não haja tanta diferença entre as duas Coreias, como se pensa e se diz. Um pai vai para a casa do seu pai que está velho e precisando de apoio. Aproveita o período das férias escolares de meio de ano dos seus dois filhos, uma filha e um filho. Separado da mulher, a estória mostra bem claramente o quanto isso influi no comportamento dos meninos. A filha demonstra ter verdadeiro ódio da mãe, mas o filho sempre a quer ver. Os filhos ainda não conheciam bem o avô, mas vão se aproximando do velho com naturalidade.

Filme “Nam-mae-wui yeo-reum- bam” I Foto: Reprodução

Enquanto a gente assiste a esse simples drama vai pensando que talvez falte algo mais dramático. Entretanto, com a continuidade, verificamos como tudo acontece dentro de uma grande veracidade, sem que a diretora se preocupe em forçar a dimensão dramática. Mesmo a morte do avô provoca reações que se apresentam com claridade. O espectador sabe que está simplesmente assistindo a um filme e não à realidade integral. Mas ao mesmo tempo sente que pode acreditar naquilo que está vendo. A direção traz essa naturalidade, e muito boa mesmo é a interpretação excelente sem artificialismo dos intérpretes principais.

Choram com realismo e quase como se fosse um choro realmente natural, não interpretativo. Comem como se estivessem sentados na mesma mesa que nós espectadores. Isso me parece um bom cinema.

Estou esperando agora assistir ao filme pernambucano “Rio Doce”, que também é a estória de uma família, para então poder compará-los. Sem nenhuma intenção de julgamento.

Olinda, 11. 10. 21

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