Sala de aula: por que voltamos?

“Nossa motivação maior sempre foi restabelecer a oferta do direito à educação no seu principal templo: a escola pública. Foi desta maneira, que retomamos as aulas no modelo híbrido no dia 02 de agosto de 2021.”

No Maranhão, crianças e adolescentes retornam às aulas com todos os cuidados sanitários

Por Danilo Moreira, Subsecretário de Estado de Educação do Maranhão

A pandemia do Coronavírus marca uma inflexão na realidade do Brasil que ainda não conseguimos compreender totalmente. Por um lado, estamos nesta situação há muito mais tempo que esperávamos, por outro, ainda não temos dimensão do esforço de interpretação e até mesmo de reação ou adaptação necessários a esta nova realidade que se impôs em tão breve tempo histórico. Entender, adaptar-se, reagir, superar. Precisamos caminhar nesta direção a cada dia, combinando o pessimismo da razão e o otimismo da vontade como bem o disse Antonio Gramsci.

Somente no Brasil, foram mais de meio milhão de vidas perdidas em menos de dois anos. De acordo com Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas, pelo menos 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas se o Governo Federal tivesse adotado outra postura – apoiando o uso de máscaras, medidas de distanciamento social, campanhas de orientação, acelerando a compra de vacinas e sua aplicação. Esta afirmação, feita em junho de 2021, durante depoimento à CPI da Covid no Senado, traduz em números o sofrimento deliberadamente provocado por uma gestão federal  desastrosa e descomprometida com a defesa da vida. 

A esse quadro precisamos somar a destruição da economia, dezenas de milhares de empresas fechadas e milhões de empregos perdidos. Não é difícil encontrar estudos que comprovem o rápido crescimento na quantidade de brasileiros que passam fome, fato que já vinha ocorrendo antes mesmo da pandemia e que superou, em 2020, os níveis registrados no início da década passada quando foi criado o Bolsa Família. Também, pela primeira vez, uma jovem geração viu suas escolas fecharem e o Brasil ser um dos últimos países a iniciar a reabertura, tendo sido as escolas públicas as últimas nesta retomada.

Meu país Maranhão

Estudantes seguem as políticas sanitárias no retorno às aulas
Estudantes seguem as políticas sanitárias na volta às aulas no Maranhão

O Maranhão tem sido reconhecido por termos enfrentado com diligência e proatividade esta crise. As aulas na Rede Estadual de Ensino  nunca foram suspensas. Desde março de 2020, garantimos o ensino remoto e entregamos milhares de chips assegurando o acesso à internet para estudantes e professores e promovemos formações destes profissionais para uso de novas tecnologias. Instituímos a busca ativa junto às famílias de estudantes que se distanciaram da escola e inovamos, ao criar a Plataforma Gonçalves Dias, com mais de 1300 aulas em vídeo, apostilas e roteiros e de estudos. Também implantamos a TV Educação, com sinal aberto para complementar o trabalho de professores e alcançar ainda mais estudantes. De maneira célere incorporamos e desenvolvemos tecnologias educacionais para vencer a distância e preservar a vida.  

Essas tecnologias permanecerão com a superação da pandemia, e abrem novas possibilidades para a educação maranhense. Ainda assim, sabemos que nada substitui o ensino presencial, o contato afetuoso, a convivência e a aprendizagem no ambiente escolar e que a sua ausência prolongada gera consequências de toda ordem.

Algumas iniciativas se propõem a medir o impacto desta ausência. Aqui destacamos a pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus (Covid-19), em sua segunda edição, promovida pelo Conselho Nacional de Juventude e outras organizações, como a UNESCO. As respostas ajudam a entender o enorme passivo para a juventude, em especial da escola pública, filhos e filhas da classe  trabalhadora e desempregados. Dois terços da amostra pesquisada (67%) moram com mãe ou madrasta, que muitas vezes assume sozinha a responsabilidade sobre seus filhos e filhas. Cerca de 62% deles, estuda ou trabalha, 37% dessa juventude unicamente estuda. Um dado muito preocupante, revelado na pesquisa demonstra que 13% desses jovens nem estudam nem trabalham, assim como, 22% dos jovens trabalhadores não estudam. E dentre os jovens que pararam de estudar, mais da metade, o fez depois de março de 2020, o que mostra o impacto imenso da pandemia. É para esta parcela, especialmente, que deve se voltar os investimentos dos recursos financeiros do poder público destinados  à educação.

A pesquisa expõe a incerteza que reina entre a turma de 15 a 29 anos quando se olha o futuro. É preciso ter empatia diante da falta que fez e faz a escola na vida da juventude. Dentre os mais de 68 mil entrevistados na amostragem, 61% relata ansiedade. Dos jovens pesquisados, 72% relatam um estado emocional de regular a péssimo, 56% identifica o uso exagerado das redes sociais, e 51% relata situação de cansaço constante e exaustão. Um entre dez jovens (entre 15 e 17 anos são 12%) relata pensamentos suicidas ou de automutilação.

São dados preocupantes que mostram o impacto da crise sanitária, econômica e do isolamento social na vida de uma juventude sem a sua escola, e mostra ao mesmo tempo as demandas dessa geração. Quase a metade dos pesquisados (48%) demanda atendimento de saúde, e 37% crer ser importante o apoio psicológico provido pelas escolas, um terço (32%) menciona a alimentação, e 18% falam das necessidades de esporte e condicionamento físico.

Se fôssemos buscar dados referentes à infância, certamente encontraríamos uma situação ainda pior. Nesta fase da vida, a escola cumpre função imprescindível na socialização, no desenvolvimento da fala, da linguagem oral  escrita e das funções cognitivas, sociais e fisiológicas. Muitas vezes, a principal refeição destes pequenos cidadãos é a merenda escolar. A segurança nutricional, o apoio pedagógico, a guarda segura de crianças e adolescentes para que mães e pais trabalhem, o direito à educação vivido na idade correta para assegurar melhores oportunidades em uma trajetória futura. Em todos estes casos, a melhor resposta é a creche e a escola.

Na hora certa de voltar, voltamos!

O Maranhão conquistou respeito nacional pelo enfrentamento à pandemia, graças à ampla união de esforços liderada pelo Governador Flávio Dino, a dedicação dos profissionais de saúde e o engajamento da sociedade. Com o avanço da vacinação, observamos uma consistente redução do número de casos, da ocupação de leitos hospitalares e de vidas perdidas. Esta nova situação permitiu o retorno de praticamente todas as atividades sociais e uma maior flexibilização para atividades que haviam retornado há mais tempo. Não era razoável desconsiderar toda a realidade captada pela pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus e manter a escola pública no final da fila de prioridades.

Desde abril, aplicamos mais de 250 mil doses de vacina em profissionais da Educação. Até a reabertura, já contávamos com todos os profissionais da rede pública estadual vacinados com a primeira dose, tendo a aplicação da segunda dose ultrapassado 60% destes –  a média nacional alcançava 20% no mesmo período. Em São Luís, a idade para vacinação já estava em 14 anos ou mais, imunizando também estudantes da rede estadual, majoritariamente do Ensino Médio. Esta boa cobertura vacinal foi determinante para decidirmos pela retomada.

As aulas presenciais estavam suspensas, desde o dia 17 de março de 2020. Foram mais de 16 meses até as atividades da Rede Estadual retornarem no modelo híbrido. Além do imprescindível aval das autoridades sanitárias, realizamos a volta, após diálogo com estudantes, famílias, professores e trabalhadores da educação. Apresentamos nosso plano de retorno ao Ministério Público, realizamos intensa agenda com todos os veículos de comunicação,  para informarmos toda a sociedade. Não temos dúvidas de que o rigoroso cumprimento deste protocolo democrático foi decisivo para um retorno que só teve êxito porque foi bem pactuado.

A obrigação de fechar as escolas não significou deixá-las paradas, ao contrário, usamos o tempo para intensificar a melhoria da infraestrutura e fizemos repasses financeiros às caixas escolares para apoiar gestores nos últimos preparativos. Em parceria com a Secretaria de Saúde, revisamos os protocolos sanitários, e acompanhamos o seu cumprimento com a colaboração da Vigilância Sanitária. A máscara passou a fazer parte do uniforme escolar, reforçamos a higienização sob responsabilidade das equipes de limpeza, instalamos pias e totens com álcool em gel, estabelecemos turmas reduzidas, com estudantes frequentando a escola em sistema de rodízio, permitindo o necessário distanciamento social. Recebemos relatos de pais que afirmavam que a presença dos estudantes nas escolas também dava mais tranquilidade, porque seus filhos e filhas não estariam promovendo aglomerações em outros ambientes de convivência social que eles seguiram frequentando durante esta longa pandemia. Em outras palavras, a reabertura das escolas, da forma que fizemos, também trouxe benefícios à saúde coletiva.

Cada tijolo assentado, ação planejada, diálogo realizado, professora e trabalhadora vacinada ou tecnologia incorporada ao ensino remoto, cada entrevista concedida, postagem informativa nas redes da Seduc, dúvidas respondidas pelo whatssapp, cartaz afixado nos corredores e, principalmente, cada sorriso acolhedor no dia do retorno, foram resultado de um verdadeiro trabalho em equipe. Nossa motivação maior sempre foi restabelecer a oferta do direito à educação no seu principal templo: a escola pública. Foi desta maneira, que retomamos as aulas no modelo híbrido no dia 02 de agosto de 2021. Sem maiores intercorrências e esperando que a situação epidemiológica siga melhorando ao ponto de nos permitir a volta das aulas presenciais de maneira plena.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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