Segue o poder do financismo

Enquanto milhares morrem em decorrência da Covid-19 e milhões enfrentam o desemprego no Brasil, os bancos seguem aumentando seus lucros

Fotomontagem feita com as fotos de: Andrea Piacquadio/Pexels

A crise política e institucional segue firme e solta, ocupando todos os espaços dos grandes meios de comunicação. Bolsonaro parece ter se dado conta de que os frutos colhidos pela estratégia que adotou desde o início de seu mandato não indicam uma boa performance em eventual disputa pela reeleição em outubro do ano que vem. O presidente vem acumulando uma série de quedas contínuas em sua popularidade e as pesquisas de opinião simulam uma derrota frente a Lula nas próximas presidenciais.

Em tal circunstância, o ex-capitão promove um grande estelionato em suas promessas de campanha e se joga de braços abertos no colo do Centrão. Depois do grande empenho emprestado pelo Palácio do Planalto para a eleição de Arthur Lira (PP/AL) e Rodrigo Pacheco (DEM/MG), os laços de dependência de Bolsonaro para com o fisiologismo foram sendo cada vez mais apertados. A conquista de aliados na Presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal revelou-se fundamental para facilitar a tramitação de projetos de interesse do governo, mas ,principalmente, para evitar o fantasma da tramitação oficial do impeachment.

Ocorre que Bolsonaro precisa manter acesa a chama do fundamentalismo de todos os tipos, aqueles apoiadores mais extremistas que estarão com o chefe para o que der e vier. Para manter esse grupo com fogo nos olhos, o discurso contra a vacina e a favor da cloroquina foi pouco a pouco sendo substituído pela campanha a favor do voto impresso. A tônica da narrativa se mantém a mesma. Trata-se de um discurso de ódio, supostamente contra “tudo o que está aí”, como se a família Bolsonaro não estivesse no centro do poder da política nacional desde janeiro de 2019. E nessa toada vale tudo, inclusive as ameaças permanentes de um golpe militar e os xingamentos e ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Foto: Jorge William/Agência O Globo

Mas enquanto a cena política segue dominada por essa postura agressiva do Presidente, a retomada dos trabalhos CPI da COVID no Senado Federal ao fim do recesso do legislativo promete ainda mais novas denúncias e provas de corrupção do governo na área da saúde, além das evidências da adoção de políticas claramente irresponsáveis e criminosas no enfrentamento da pandemia. A resposta de Bolsonaro a esse isolamento de seu governo teve o significado de amarrar ainda mais seu destino aos desejos do Centrão. A nomeação do Senador Ciro Nogueira (PP/PI) para o comando da Casa Civil introduz o fisiologismo no coração da equipe governamental. Paulo Guedes já teve uma parte de seu superministério desmembrado para atender a Onyx Lorenzoni (DEM/RS), aquinhoado com a estrutura dos antigos Ministérios do Trabalho e da Previdência. Além disso, não é improvável que ocorra ainda a retomada do extinto Ministério do Planejamento, que ficaria com o estratégico Orçamento da União, cobiçado por 11 em cada 10 parlamentares em Brasília.

Crise não afeta o poder dos bancos.

Mas, enquanto as tensões políticas aumentam de intensidade e de temperatura, o financismo segue tranquilamente faturando mais do que nunca e comendo pelas beiradas. A agenda neoliberal de Paulo Guedes segue seu caminho, com promessas de mais privatizações e de continuidade da política de destruição do Estado e desmonte das políticas públicas. Trata-se de uma estratégia que busca obter uma espécie de neutralidade desse pessoal da nata do sistema financeiro em relação à antecipação da disputa eleitoral e do encurralamento crescente de Bolsonaro no xadrez político nacional. Afinal, os negócios lucrativos e as oportunidades de ganhos são fundamentais na lógica do capital, ainda que isso tudo se dê às custas de mais de meio milhão de vidas ceifadas de forma irresponsável e da verdadeira destruição da Nação.

O Brasil segue quebrado, com recordes sucessivos nos indicadores de desemprego e de precariedade do mercado de trabalho. Marcadores que avaliam a fome, a pobreza e a miséria apontam para a incapacidade de melhoria, ainda que algum tímido crescimento seja observado nas atividades econômicas de forma geral. A verdadeira dimensão do desastre que vem sendo implementado pelo governo a cada dia que passa só poderá ser avaliado de maneira efetiva mais à frente. No entanto, alguns setores seguem se dando muito bem, apesar da crise. Além do agronegócio e dos ramos ligados à exportação, os bancos e instituições financeiras não deixam de apresentar bons resultados em seus sucessivos balanços.

Foto: Jonne Roriz/Veja

O primeiro grupo consegue manter alta lucratividade e faturamento elevado em razão do destino de suas vendas. Como dependem da chamada demanda externa, seus negócios não são afetados para compressão da massa salarial interna e da baixa capacidade de consumo no território nacional. Já os grupos do financismo exercem seu poder ao se constituírem e se comportarem como oligopólio. Como são poucos e gigantes, os bancos privados impõem ao mercado e à sociedade suas margens absurdas e seus “spreads” elevadíssimos. Além, é claro, de toda as benesses e complacências que recebem da tecnocracia das altas esferas de poder no comando da área econômica.

A banca privada iniciou o mês de agosto divulgando os números do segundo trimestre do ano. Uma loucura. Parece que vivem em outra galáxia. Na verdade, eles são o reflexo bem definido de uma sociedade altamente injusta e concentradora de renda e patrimônio. Os números deveriam provocar aquele sentimento de vergonha alheia, ao invés de estimular o conhecido orgulho de seus dirigentes e acionistas. Vamos a alguns deles que já são de conhecimento público.

Lucros bilionários no primeiro semestre.

O Banco Santander registrou um lucro de R$ 4,1 bilhões no segundo trimestre de 2021, o que significou uma alta de 102% em relação ao mesmo período de 2020. É isso mesmo! Seus ganhos mais do que dobraram em um ano. Trata-se do maior resultado alcançado para esse período de abril/junho em todo a série histórica da empresa.

Foto: Divulgação

O Itaú Unibanco apresentou lucro líquido de R$ 7,6 bi no segundo trimestre, representando um crescimento de 120% em relação ao mesmo período do ano anterior. Somados aos R$ 4,4 bi obtidos entre janeiro e março do presente ano, temos um lucro de R$ 13 bi apara o conjunto do primeiro semestre. Ou seja, o resultado para os primeiros seis meses foi mais de 90% superior aos R$ 6,8 bi registrados em 2020 para esse mesmo período.

Ora, para que seja possível reduzir esse escândalo que vem se repetindo a cada mês, trimestre, semestre ou ano há décadas, o único caminho é oferecer um contrapeso do setor público. Deixar o tal “mercado” atuando livremente apenas com as forças de oferta e demanda é eternizar a espoliação. De um lado, é necessário reforçar e aperfeiçoar a legislação e a regulamentação, de maneira a que elas sejam capazes de exercer o poder de redistribuição de renda e de promover maior justiça social. De outro lado, é fundamental que o governo se utilize de bancos públicos poderosos e robustos – como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDES e os bancos voltados ao desenvolvimento regionais (BASA, BNB e BRDE) – para atuar de forma a corrigir as falhas da banca privada e oferecer crédito e condições de financiamento mais adequadas às necessidades das empresas e das famílias.

Esse é o caminho para quebrar o poder exagerado do financismo privado, condição necessária ao estabelecimento de uma nova ordem econômica e social mais justa e sustentável.

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