Sérgio Ricardo foi um artista cheio de brasilidade e convicção

O ato de coragem, por enfrentar uma plateia que vaiou a sua apresentação, não pode ser maior que o artista que viveu o nascedouro de duas das maiores expressões artísticas que o Brasil já produziu, a Bossa Nova e o Cinema Novo.

Foto: Ana Rezende

A imagem que a maioria das pessoas tem de Sérgio Ricardo é dele quebrado seu violão no Festival da MPB da Record, em 1967. Mas aquele ato de coragem, por enfrentar uma plateia que vaiou a sua apresentação, não pode ser maior que o artista que viveu o nascedouro de duas das maiores expressões artísticas que o Brasil já produziu, a Bossa Nova e o Cinema Novo.

Em 1960, ele grava a música Zelão, considerada pelo maestro Júlio Medaglia a primeira música engajada. A partir daí, começa a se distanciar da Bossa Nova, muito situada na turma da Zona Sul do Rio de Janeiro, como ele mesmo dizia: “Me interessava mais o que o povo fazia no morro. Era mais autêntico”. Sérgio Ricardo não se identificava com a classe média elitizada que dominava a arena musical. Esse descontentamento o leva a explorar outras habilidades artísticas.

Ele chega ao audiovisual, em 1961, com o curta “O menino da Calça Branca”, uma influência direta do filme “Rio 40º graus”, de Nelson Pereira dos Santos, que por coincidência vai ser o montador do curta. Esse filme revela o grande fotógrafo brasileiro Dib Lutfi, irmão mais novo de Sérgio Ricardo.

O Brasil vivia grande efervescência política. As discussões no ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), a juventude do teatro de Arena e o nascente Cinema Novo confluem para o Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, que se reuniam na sede da entidade, na Praia do Flamengo, 132.

Foi o dramaturgo Chico Dias quem convidou Sérgio Ricardo para o Centro Popular da Cultura (CPC-UNE). Ao lado dos demais colegas, Sérgio Ricardo vai cada vez mais firmar seu posicionamento político contestador em busca do homem brasileiro, ou em busca da cultura nacional, popular e democrática.

Em 1963, ele realiza seu longa “Esse Mundo é Meu”, no qual mostra a realidade brasileira através de dois personagens, um homem branco, operário precarizado, e um negro engraxate, ambos moradores de favela. A direção e a fotografia dos irmãos Lutfi (Sérgio e Dib) é fantástica. Algumas cenas do filme são impactantes: a da Roda Gigante, a cena final, e a que mostra os operários martelando. É o Cinema Novo rubricado e assinado. A estreia do filme foi em 1º de abril de 1964, dia do golpe militar, o que fez do filme um fracasso. Não havia clima.

Nesse ano, ele assina a trilha do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha. Segundo Sérgio Ricardo, ele não tinha o domínio da música do Nordeste, mas Glauber lhe deu várias fitas para escutar. Ele era um artista tão sensível e genial que talvez tenha criado a música mais conhecida do cinema brasileiro, quem nunca cantarolou “se entrega Corisco, eu não me entrego não”. Ele ainda assina as trilhas de “Terra em Transe” e “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”.

Na direção, Sérgio Ricardo — nome artístico de João Lufti –, nascido em Marília-SP, assinou outros filmes: “Juliana do Amor Perdido”, “A Noite dos Espantalho” e em 2018, Bandeira de Retalhos. Manteve-se fiel aos seus princípios. Sempre disse que a classe média, o consumo e os Estados Unidos não lhe interessavam. Cada filme seu merece ser minuciosamente estudado.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor