Sistema partidário poroso

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Ilustração: Jorge Braga

As eleições para as mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado puseram a nu, uma vez mais, a fragilidade do nosso sistema partidário.

Num elenco de mais de trinta legendas legalmente constituídas, raríssimas são as que representam, de fato, correntes políticas programáticas e, pelo menos, medianamente organizadas e coerentes.

Mais: como o voto é uninominal, e não na legenda, o parlamentar se sente individualmente comprometido com uma espécie de prestação de serviços às suas bases eleitorais — via de regra dependentes de recursos do Orçamento Geral da União.

Daí a tendência “natural” de cada parlamentar em estabelecer relações pessoais com o governo, implicando às vezes em excesso de flexibilidade quanto a seus compromissos partidários.

Em consequência, as bancadas se tornam tão vulneráveis em sua integridade que se costuma dizer que nelas “ninguém lidera ninguém”.

Em certa medida, esse caráter poroso do sistema partidário representado no parlamento sempre ocorreu.

O que acontece agora, sob o governo Bolsonaro, é uma espécie de “liberou geral”. Tanto que se estima em mais de R$ 3 bilhões o montante de emendas extras (para além das rotineiras, digamos assim) ao OGU abocanhadas por deputados e senadores que se comprometerem em votar nos candidatos apoiados pelo governo.

Assim se juntou a fome com a vontade de comer. O governo determinado a vencer a todo custo — inclusive para se prevenir contra a ameaça de impeachment — e uma maioria sedenta da liberação dos valores das suas emendas destinadas a ações em seus redutos eleitorais.

O que poderá se acentuar mais ainda se vier a ser adotado o chamado “distritão”, quando serão considerados eleitos os mais votados, de qualquer partido

Essa lógica promíscua de relacionamento entre parlamentares e governantes só se alterará com uma reforma política de sentido realmente democrático e orientada para o fortalecimento dos partidos.

Um sistema onde o eleitor vota considerando programas partidários e escolhe uma legenda cujos futuros parlamentares são apresentados em lista previamente definida tem como consequência, dentre outras, o compromisso programático acima de interesses particulares.

Para chegarmos a tanto, necessário antes superar o atual quadro institucional deprimente que vem marcando a chamada era Bolsonaro.

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