Sobre Manifestos em Defesa da Democracia no Brasil Republicano

“Manifestos em Defesa da Democracia” no Brasil Republicano têm sempre origem em algum lugar da política. Não é diferente este, lançado às vésperas das eleições de 2010. Coincidentemente, a intelligentsia tucana, ou aqueles que circulam ao seu redor, tem sido a maioria dos assinantes. A alegação: “sob o governo Lula aumentou a ameaça à democracia”. Devemos ler: “com a eleição de Dilma nossos interesses político-econômicos estarão ameaçados”?

Em artigo de 7 de Maio de 2007 (Populismo ou democracia para quem?), neste espaço, refleti então sobre as declarações de Jorge Bornhausen, “campeão”da democracia brasileira, cujo discurso reproduzia a concepção da democracia como universal e sinônimo de capitalismo, quando afirmava: “hoje, na América Latina, o debate é do populismo X democracia”. Mesma cantilena já dita na refundação-renovação do PFL, o aliado estratégico do PSDB desde 1994, na mudança de nome para DEMocratas, quando defendeu: “(…) o populismo explora as crises, as frustrações ideológicas e usa o facilitário do golpe e até das garantias democráticas (…). O compromisso com a democracia e a legalidade, sem restrições ou preconceitos, (…) permitem-nos tanto enfrentar a esquerda radical como o pior populismo (…)”. [1]

O artigo citava o historiador Jorge Ferreira, resgatando a luta liberal contra ações estatizantes e a legislação social, alcunhada pelos conservadores de populismo. Assim, Ferreira foi a oposição liberal-conservadora, sobretudo da União Democrática Nacional (UDN), que anunciava populismo como o sindicalismo oriundo dos movimentos populares e de defesa de políticas públicas de direitos para os trabalhadores, além da construção de um projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil.[2]

De 1945 a 1964, houve várias tentativas de golpes, sempre patrocinadas pela UDN, a fim de romper com as políticas então chamadas de populistas, as quais, segundo as classes dominantes, ameaçavam a democracia. A vitória deste discurso viria em 1964, com o Golpe Civil-Militar. Tanto que no auge de seu governo, o Presidente Médici afirmou que o Brasil vivia em plena democracia. Entretanto, todos sabem, inclusive muitos signatários do manifesto de 2010, para onde foi a democracia daqueles tempos.

Agora, ameaçados pela derrota eleitoral ainda no primeiro turno, desesperados para levar as eleições ao segundo turno, buscam a vitória político-eleitoral para retomar e aprofundar as reformas neoliberais no Brasil, com o discurso de “ameaças à democracia”.

Depois do recente “Manifesto”, restam várias perguntas:
1) No início é dito que “em uma democracia, nenhum dos Poderes é soberano”, pois “soberana é a Constituição”. Por isso a vilependiaram tanto nas eras Collor e FHC?;

2) Afirma-se que “é constrangedor que o Presidente da República não entenda que o seu cargo deve ser exercido em sua plenitude nas vinte e quatro horas do dia. Não há “depois do expediente” para um Chefe de Estado”. FHC não fazia nada para o PSDB depois do expediente? E o 14 de abril de 2002, depois de Serra deixar o Ministério da Saúde de FHC, quando os dois estiveram na inauguração do trecho oeste do Rodoanel Mario Covas?;

3) É dito: “é repugnante que essa mesma máquina oficial de publicidade tenha sido mobilizada para reescrever a História, procurando desmerecer o trabalho de brasileiros e brasileiras que construíram as bases da estabilidade econômica e política, com o fim da inflação, a democratização do crédito, a expansão da telefonia e outras transformações que tantos benefícios trouxeram ao nosso povo”. Que bases? Do neoliberalismo, suas privatizações e a total mercantilização do Estado? e;

4) Por fim, proclama-se: “Brasileiroserguem sua voz em defesa da Constituição, das instituições e da legalidade. Não precisamos de soberanos com pretensões paternas, mas de democratas convictos. Quais democratas convictos? Aqueles de 1964? Do DEM, do PSDB, da Globo, da Veja, do Estadão, da Folha de São Paulo e outros defensores da "ditabranda"?.

Coincidentemente são seus intelectuais e artistas, seus políticos e articulistas os quais assinam e/ou são citados no portal criado para referendar a nova defesa da “democracia”. Poderíamos fazer infinitas perguntas ao “Manifesto” e buscar outras respostas, mas como dizia Bernard Shaw, “nenhuma pergunta é tão difícil de se responder quanto aquela cuja resposta é óbvia”.

A resposta das urnas em 3 de outubro, vencido o golpe branco contra Dilma e seus aliados, logo mostrará, em novos discursos, a nova pauta destes “democratas” históricos.

Notas
* Professor Adjunto do Departamento de História da UFSM, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP. 

[1] Cf. o artigo “Democracia X populismo”. In. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1705200509.htm. Acesso em 06/05/2007. [2] Será mera coincidência que muitos dos atuais assinantes do “Manifesto”, referendaram a categoria “populismo”, a qual ganhou a academia, sobretudo com a sociologia uspiana, ainda na década de 1960?

[2] Cf. FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In. FERREIRA, Jorge (org.). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 61 a 124.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor