Taxas de juros e orgia financeira

A recente turbulência no sistema financeiro mundial, decorrente dos graves desequilíbrios econômicos dos EUA, foi a justificativa para a retraída decisão da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central. O Copom desacelerou o ritmo

Os últimos três cortes foram de 0,75%. Embora mais tímida, a queda recente dá algum fôlego à economia, ao baratear o crédito, incentivar o consumo e impulsionar produção, gerando mais emprego e renda. Mas ela também revela os limites da atual política macroeconômica, que entrava um maior crescimento do país.
A reação à decisão do Copom não causou surpresa: a oligarquia financeira comemorou a “cautela”, afinal ela enriquece exatamente com a especulação; já o setor produtivo e as entidades de trabalhadores chiaram. A CUT criticou a queda “irrisória” e cobrou urgência em “cortes mais expressivos”. A nota assinada pelo presidente da central, João Felício, ataca “a estratosférica taxa de juros de 15,25% ao ano que representa, na prática, uma política que atenta contra o pleno desenvolvimento do mercado interno, que necessita de estímulo para crescer, gerar emprego e renda”. A Confederação Nacional das Indústrias também criticou a timidez do corte e aproveitou para barganhar compensações mesquinhas, como uma maior isenção fiscal.


 



A exemplo do setor ruralista, que bloqueou estradas, satanizou o governo Lula e arrancou a renegociação de parte de suas dívidas, agora é o lobby da indústria que reivindica um terceiro socorro fiscal do governo em menos de seis anos – após o Refis de 2000 e o Paes de 2003. A nova equipe do Ministério da Fazenda discorda da anistia. Em reunião ocorrida em 30 de maio na CNI, o ministro Guido Mantega explicitou sua oposição ao perdão das dívidas. Mas os empresários não desistem e o seu poder de pressão, como se sabe, é violento. Eles só gostam de falar em “respeito aos contratos” quando não afeta seus interesses!


 



Paraíso da especulação


 


Apesar da “cautela” no corte dos juros, que reforça a tese das vulnerabilidades da economia brasileira, o presidente Lula poderá anunciar na próxima reunião do Copom, em 19 de julho, uma nova vitória do seu governo: a menor taxa de juros da história recente, inferior a 15% ao ano. Será um fato inédito desde a criação do Copom, há dez anos, e mais um trunfo eleitoral do governo Lula, para o desespero da oposição liberal-conservadora. O anúncio do IBGE, no mesmo dia, de que o Produto Interno Bruto cresceu 1,4% no primeiro trimestre também caiu como bomba no comando de campanha de Geraldo Alckmin. Segundo projeções, se este ritmo fosse mantido, o PIB cresceria 5,6% em 2006 – um recorde nos últimos anos.


 



Tais fatos, porém, não devem gerar euforia. A instabilidade na economia mundial permanece e o Brasil, apesar de menos vulnerável, ainda pode ser contagiado. Uma gripe nos EUA causa tuberculose nos países que dependem dos capitais voláteis! O triste reinado de FHC desregulou totalmente o sistema financeiro, transformando o país num paraíso da especulação. E o governo Lula não enfrentou este grave problema, adotando inclusive algumas medidas que desregulamentaram ainda mais o setor. Agora mesmo o Senado discute a MP no 281, que isenta do Imposto de Renda os estrangeiros que detêm títulos da dívida pública.


 



Editada em 14 de fevereiro, esta medida provisória agravou a vulnerabilidade do país e expôs o cambio às pressões externas, como ficou provado no auge da recente crise financeira. Já para os especuladores, que não tem compromissos com a nação, a MP foi uma benção divina. Em março e abril, meses posteriores à isenção tributária, os rentistas compraram US$ 4,6 bilhões em títulos públicos. O poder de sedução desta MP é impressionante: em todo ano de 2005, os estrangeiros gastaram US$ 689 milhões em títulos públicos; em 2004, US$ 101 milhões; e em 2003, US$ 272 milhões. Da mesma forma como este capital entra fácil, ele sai rápido – daí o apelido de capital motel, que gera instabilidade e tensão na economia.





Esta orgia financeira é que explica a taxa recorde de juros, das mais altas do mundo, e o elevado superávit primário – impostos como mecanismos de atração para o capital estrangeiro. A perverso casamento da política monetária restritiva e da política fiscal contracionista ajuda a entender o tímido crescimento da economia nacional, que caminha aos solavancos – como um vôo de galinha. O aumento das incertezas na economia internacional acabou reforçando as pressões por mudanças na legislação que regula a entrada e saída de capitais do país. Mas parece que o governo Lula, mesmo tendo expurgado a quinta-coluna que estava infiltrada no Ministério da Fazenda, ainda não se deu conta do perigo iminente.

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