Um discurso que poderia ter sido mas não foi

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Deu-se nas imediações da Praça Guadalajara, em Garanhuns, Agreste Meridional pernambucano, a torturante experiência de um tímido candidato a vereador de primeira viagem.
 
Em 1982 o pleito abarcava candidaturas de vereador a governador, incluindo deputados estaduais, federais e senadores.
 
Era comum à época organizar pequenos comícios onde todos os candidatos a vereador deveriam usar da palavra, esquentando o ambiente para os principais oradores, postulantes à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados.
 
— Vai você primeiro, convocou o locutor do comício, apontando a um inibido candidato que jamais falara em público.
 
— Vou não. Não sei fazer discurso.
 
— Sabe falar?
 
— Um pouco…
 
— Sabe, sim. Você diz bom dia, boa tarde, boa noite e sabe perguntar às pessoas “como vai?”, não sabe?
 
— Sei, sim senhor.
 
— Então suba no tablado e fale!
 
O indigitado candidato, microfone à mão, repetia trêmulo:
 
— Boa noite! Boa noite! Boa noite…
 
— Diz teu nome, rapaz! 
 
— Digo não.
 
— Diz teu número!
 
— Digo não.
 
A pressão dos militantes e dos demais candidatos aumentava, tornando o orador mais inibindo ainda.
 
Talvez temendo desapontar a deputada Cristina Tavares, que chegara de surpresa, encerrou o abortado discurso com uma frase algo insossa:
 
— Eu apoio o deputado Luciano, a deputada Cristina, o senador Cid e o governador Marcos Freire.
 
E de pronto devolveu o microfone ao locutor do comício e pálido, trêmulo e suando às bicas, cuidou de escapar sem entretanto evitar que percebessem a grande mancha líquida que se espraiava entre as pernas.
 
E assim a chamada Suíça pernambucana viu frustrada no nascedouro a almejada carreira de um vereador que nunca foi.
 
Mas a história das nossas campanhas eleitorais ganhou um personagem inesquecível.

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