Uma tragédia nacional

Até podemos rir das trapalhadas desse governo, da burrice escoiceante de parte dos seus ministros, das idiotices da Damares, da ignorância orgulhosa e olaviana de Araújo, ou da mistura de patetas com metralhas que são os filhos presidenciais (esses são os verdadeiros petralhas)?

É certo, podemos rir disso. Mas esse governo é, definitivamente, uma tragédia de proporções gigantescas.

As primeiras medidas anunciadas têm impacto direto na vida de milhões de trabalhadores brasileiros. Os oito reais garfados do salário mínimo farão falta, muita falta, quando as famílias mais pobres tiverem que fechar suas contas no final do mês.

Sem Ministério do Trabalho, com a própria Justiça do Trabalho ameaçada, a proteção aos direitos dos que produzem, precarizada após a reforma trabalhista, tende a praticamente desaparecer. Para os trabalhadores, o futuro que se prenuncia será a selva, e não estou falando da saudação militar tão ao gosto do capitão de fanfarra.

Os indígenas serão agora responsabilidade daqueles que sempre estiveram de olho em suas terras; os direitos humanos serão tratados por uma pastora que, por vezes fazendo acenos simpáticos à comunidade LGBT e às mulheres, não hesitará em tratorar todas as conquistas duramente arrancadas; a educação foi parar nas mãos de fundamentalistas que desconhecem por completo a realidade das escolas brasileiras e não hesitarão em declarar os professores como inimigos do país.

Resta a justiça, pensam alguns. No meu pessimismo ranzinza, é aí que vejo os maiores problemas. A justiça vem se afirmando cada vez mais como uma senhora fria, marmórea, com os olhos eternamente vendados. Daquele mato dificilmente sairá algum coelho.

Essa perspectiva sombria, trágica, de um governo que mal começou, é apenas um prelúdio. O pior, não nos enganemos, ainda está por vir. Por trás de todas essas questões, sérias todas elas, prepara-se o pior, a entrega total do país, o fim da soberania nacional, a submissão (melhor seria dizer a rendição incondicional) aos interesses do imperialismo, essa palavrinha que teima em não sair da moda.

Se o projeto antinacional e antipopular que tem Paulo Guedes como copiloto puder ser tocado mantendo-se ainda uma aparência democrática, mesmo que seja uma democracia ferida, isso será feito. Para os senhores que movimentam cordéis na sombra, é preferível que se mantenha um aspecto de legalidade, de democracia, enquanto o país é pilhado e negociado, mais ou menos às claras, mais ou menos com conchavos em salas fechadas.

Se, para que seus desígnios sejam cumpridos, a democracia, a legalidade, se tornar um obstáculo crescente, não nos enganemos, esses senhores repetirão em uníssono a fala de Passarinho e mandarão os escrúpulos às favas.

É hora de o povo brasileiro apertar o cinto. O piloto não sumiu. E, como diz um velho ditado, é doido mas não rasga dinheiro. A fatura já está sendo apresentada, e seremos nós a pagá-la.

Não vamos rir, portanto, das trapalhadas desse governo. Tudo bem, se não der para segurar o riso quando a Damares aparecer vestindo azul ou quando o Vélez Rodríguez quiser acabar com a alfabetização marxista, caiamos na risada. Só um pouquinho, sem excessos, por favor.

Não nos esqueçamos que estamos diante de uma grande tragédia nacional. Ou lutamos para combatê-la e escapar, ou sucumbiremos a ela e seremos tragados pela sua voracidade.

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