Valente menina

O filme é simples e singelo, põe de lado a narrativa de situações mais dramáticas e violentas da vida real, mas faz com que perpasse uma constante angústia por se ficar imaginando todo tipo de ameaças a Valentina (Pode conter spoilers)

Filme "Valentina" I Foto: Divulgação

O nome Valentina tem diversos significados, sendo “valente” uma raiz de onde se deriva o substantivo próprio. “Valentina”, filme dirigido por Cássio Pereira dos Santos traz atuação destacada, emocionada e engajada de Thiessa Woinbackk, intérprete da personagem que dá nome à produção, uma adolescente trans que luta arduamente por seu direito à identidade.

Nosso país, pelo 13o ano consecutivo, apresenta-se como o lugar mais perigoso para uma pessoa transexual viver. Os dados do Projeto Transrespect versus Transphobia Worldwide (TvT), da ONG Transgender Europe (TGEU), revelam que 125 homens e mulheres trans foram assassinados devido a sua identidade de gênero, entre outubro de 2020 e setembro de 2021 no Brasil, onde a expectativa de vida é, dramaticamente, de 35 anos para essas pessoas. As mulheres foram as principais vítimas: 96% dos assassinatos registrados pelo levantamento, com grande destaque para crimes de ódio, a transfobia ou o transfeminicídio, modalidade de crime invisibilizada pelos órgãos oficiais, da qual os dados ainda são subnotificados. O dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) registra que 82% dos crimes ocorrem contra pretas e pardas, com mais de 80% acontecendo com requintes de crueldade.

Todo 29 de janeiro é marcado como Dia Nacional da Visibilidade Trans, data simbólica estabelecida em 2004, que tem como objetivo fortalecer a luta e o combate à violência e opressão contra as pessoas travestis e transexuais. Este segmento da população cotidianamente batalha pelo respeito à identidade de gênero, de orientação sexual, pelo direito de ter acesso às políticas públicas, em especial as da saúde, ao mundo do trabalho, entre outros direitos.

Foto: Giorgia Prates

É em torno da temática LGBTQIa+ que “Valentina” se desenvolve, destacando parte das dificuldades, preconceitos e obstáculos defrontados pelas(os) adolescentes, suas angústias e seus sonhos. Secundariamente, também há uma personagem adolescente grávida, mas o filme não aborda problemas dessa condição por que passam tantas meninas brasileiras.

A película ocorre no município de Estrela do Sul, uma pequena cidade do interior de Minas Gerais, quando a técnica de enfermagem Márcia (Guta Stresser) passa em um concurso na Saúde Pública para trabalhar nessa localidade. Ela é mãe de Valentina, adolescente transgênero, nascida com o nome de Raul. Márcia está separada e enfrenta a dificuldade de matricular a filha na única escola da cidade, utilizando o nome social. A diretora compreende a importância da legislação que permite que estudantes usem o nome social na documentação e também para frequentar a instituição, mas diz que também é necessário a assinatura do pai. Este reside em outra cidade e inicialmente demonstra rejeição quanto à orientação sexual da filha.

Numa turma inicial de recuperação de estudos, Valentina faz sólida amizade com Júlio e Amanda, o primeiro um jovem negro gay e a segunda uma adolescente grávida. São protagonistas na história a mãe Márcia e a tríade de amigos de escola.  Parece que a direção da película dá destaque para a relação e a vida do trio de amigos e atividades juvenis como festas, sugerindo a possível intenção dos autores da trama em sensibilizar os jovens para essa temática, para que, desde essa idade de formação de caráter, se desvencilhem de preconceitos e se tornem adultos que tratem com respeito as diferenças.

Filme “Valentina” I Foto: Divulgação

Há um episódio de atentado intimidatório, físico e psicológico, contra Valentina, mas cuja denúncia esbarra em problemas para indiciar os agressores perante a autoridade policial.

Valentina consegue se matricular regularmente na escola, afinal. Mas a diretora avisa os pais dela que há uma reação de parte da sociedade local contra sua presença na escola, da parte dos “cidadãos de bem”, “defensores da família”.

O filme é simples e singelo, põe de lado a narrativa de situações mais dramáticas e violentas da vida real, mas faz com que perpasse uma constante angústia por se ficar imaginando todo tipo de ameaças a Valentina.

Quem se lembrar do comovente final de “Sociedade dos Poetas Mortos” – quando os alunos do professor-poeta interpretado pelo falecido Robin Williams, dentro da sala de aula, sobem nas carteiras em homenagem ao mestre que está indo embora e bradam “Oh, capitão, meu capitão!” – irá se emocionar vendo ecos dessa cena ao fim de “Valentina”.

Um bom filme, útil inclusive em atividades escolares para estimular debates sobre orientação sexual,  a luta contra a LGBTfobia e qualquer violência que acometem LGBTS. É necessário e urgente continuar pautando novas posturas fundamentadas no reconhecimento e no respeito à diversidade sexual e de gênero, manter a luta contra toda ação retrógrada que não reconhece a diversidade humana, reafirmando a defesa intransigente dos direitos humanos!

Valentina
País: Brasil
Ano: 2020
Gênero: Drama
Duração: 1h35 (incluindo os créditos finais)
Elenco: Thiessa Woinbackk, Guta Stresser, Romulo Braga
Direção: Cássio Pereira dos Santos
Produtora: Campo Cerrado (Uberlândia/MG)
Disponível no serviço de streaming Netflix


Referências:

https://antrabrasil.org/category/violencia/

https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/11/4963887-no-mundo-a-cada-10-assassinatos-de-pessoas-trans-quatro-foram-no-brasil.html

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