A América Latina resiste

A América Latina tem sido contraditória, marcada pela luta política que se acentuou desde meados do século 20, e por […]

A América Latina tem sido contraditória, marcada pela luta política que se acentuou desde meados do século 20, e por um ziguezague entre os lutadores da democracia, do progresso social e da soberania nacional, em confronto com oligarquias tradicionais e classes dominantes aliadas do imperialismo dos EUA, que não aceitam reformas democráticas e nacionais.

Hoje, vive uma situação política nova. Desde a eleição de Maurício Macri, na Argentina, em 2015, parece ter virado à direita, contra o ciclo de governos progressistas vigente nos dez anos anteriores. Mas, convém frisar, é uma conversão com características novas em relação à história anterior. Entre elas a permanência de forte oposição democrática e popular organizada que luta contra governos cujo objetivo é impor o retorno neoliberal.

Desde a década de 1960 houve um ciclo de ditaduras militares bárbaras apoiadas pelo governo dos EUA. Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru e outros países da região tiveram ditaduras sanguinárias e assassinas que perseguiram, prenderam, torturaram e mataram opositores políticos, impondo aos lutadores da democracia – que jamais foram vencidos – as duras condições da luta clandestina. As décadas de 1970 e 1980 conheceram também regimes cruéis e repressivos, com apoio dos EUA, para reprimir a luta popular em países como El Salvador e Nicarágua. Mesmo em países formalmente democráticos, como a Colômbia e a Venezuela, as restrições contra a luta democrática provocaram levantes populares, como em Bogotá em 1948, e em Caracas em 1989.

As vitórias de Hugo Chávez na Venezuela, em 1998; Lula, no Brasil, em 2002, e Néstor Kirchner, na Argentina, em 2003, mudaram este rumo. E a América Latina virou para a esquerda, contra o neoliberalismo, as oligarquias e o imperialismo, transformando-se no notável modelo da história contemporânea que ousou propor outra lógica, diferente da ordem vigente.

A luta política por mudanças se esparramou pelo continente. Sucessivamente outras nações aderiram, como o Paraguai de Fernando Lugo, a Bolívia de Evo Morales e o Equador de Rafael Correa.

As deposições de Manuel Zelaya, em Honduras em 2009, e de Lugo, no Paraguai, em 2012, sinalizaram as dificuldades da luta por mudanças. Elas cresceram com a eleição de Macri na Argentina, e se agigantaram depois do golpe contra Dilma Rousseff, no Brasil, em 2016.

A midia patronal e a direita comemoram a virada neoliberal. Precocemente, é preciso dizer. Elas já tinham grandes dificuldades no México, onde o presidente Enrique Peña Nieto enfrenta forte oposição e vê se fortalecer a candidatura presidencial do progressista Andrés Manuel López Obrador em sua terceira tentativa de chegar à presidência, em 2018.

No Chile, há frequentes protestos de estudantes contra o sistema de ensino privatizado, herdado da ditadura de Pinochet, e o povo se levanta nas ruas contra um sistema previdenciário igualmente injusto, também herança da ditadura.

As dificuldades da direita cresceram ante o empobrecimento da população argentina, sob Macri, e o profundo ataque aos direitos do povo e dos trabalhadores no Brasil do usurpador Michel Temer.

A luta política se aprofunda na Venezuela, onde a direita multiplica assassinatos em verdadeiras batalhas campais que já duram três meses. Lá, o presidente Nicolás Maduro chegou ao ponto de declarar a disposição de pegar em armas, se for necessário, para defender a revolução bolivariana. E tem o apoio de enorme parcela da população mais pobre, que foi beneficiada pelos programas de governo na última década.

Entretanto, há também notícias boas, felizmente. Na Colômbia o processo de paz se conclui com êxito e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo) se inscrevem como o novo – e reluzente – personagem no cenário institucional, onde vai defender, agora pelas armas da crítica, as mesmas bandeiras que até aqui defendeu com a crítica das armas.

Na Argentina, a ex-presidenta Cristina Kirchner – dada como sepultada politicamente pela direita – anuncia sua candidatura ao Senado, à frente de uma grande aliança de forças democráticas, a Unidade Cidadã. Candidatura que pode resultar no retorno dos progressistas ao governo, na eleição de 2019, dada a enorme impopularidade de Mauricio Macri e seu neoliberalismo tacanho. Da mesma forma como, no Brasil, não se pode descartar totalmente a possibilidade de volta das forças democráticas e patrióticas ao governo ante a enorme rejeição popular aos nomes ligados ao neoliberalismo.

Esta é a novidade do novo ciclo latino americano. Os democratas e progressistas foram derrotados mas continuam firmes na luta, tanto a institucional como nos movimentos sociais. Apesar de golpeado, o ciclo progressista latino-americano resiste e já começa a da sinais de retomada deste tabuleiro que a elite colonizada insiste em restringir a uns poucos privilegiados em detrimento de muitos excluídos.