A burguesia de Lula e os juros

O Copom (Comitê de Política Monetária) define nesta quarta-feira (17) a taxa de juros Selic dos próximos 45 dias: sem consenso e sob influência das incertezas econômicas dos EUA, o Grande Enfermo do século 21.



Os consultores que interpretam os humores do ''mercado'' se dividem. Uns apostam em mais um corte homeopático de 0,25 ponto. Outros na interrupção da série de cortes que vem desde agosto do ano passado. Graças a ela, a taxa atual, de 11,25% ao ano, é a mais baixa da série desde a criação da Selic, em 1999, e o juro real caíu para a casa do um dígito, embora longe do nível internacionalmente considerado civilizado, de 3%.



Formado por nove figurões do Banco Central (BC), o Comitê tem representado no segundo como no primeiro governo Lula uma trincheira da ortodoxia neoliberal. E atua em regime de independência de fato (embora sem atender ao ex-ministro Antonio Palocci e outros que desejariam conferir autonomia formal ao banco): um pacto extra-oficial ceixa-o com mãos livres para agir como bvem entender.



Com isso, o Copom ganhou uma notável unanimidade: é igualmente mal visto tanto por trabalhadores como por burgueses. Serve na prática aos interesses de um setor da burguesia, o poderoso segmento rentista, que inclui os bancos.



Na entrevista para a Folha de S.Paulo publicada neste domingo (14), o jornalista Kennedy de Alencar perguntou ao presidente Lula sobre a burguesia brasileira. Lula não fez a distinção acima, embora ela muitas vezes coloque em campos opostos a burguesia rentista-financeira e o chamado capital produtivo. Disse que ela ''continua sendo a burguesia que sempre foi'' e ''está sempre querendo mais'', mas é competente do ponto de vista político''. Declarou-se ''satisfeito'' com a ''relação boa'' com o empresariado.



''Da minha parte, não existe preconceito. Tenho consciência de que estão ganhando dinheiro no meu governo como nunca'', disse Lula. E negou que isso o incomode, pois ''com eles ganhando mais dinheiro, vai ter mais investimento, mais geração de emprego, mais salário''. Lula pensa que quando se é presidente ''é preciso ter a competência de governar para todo mundo, sem discriminação''.



A entrevista de domingo não foi a primeira em que Lula expressa sua visão não-conflitiva da sociedade e do ofício de presidente. Diga-se em seu favor que ele proclama, até com brio, que continua ''tendo um lado, porque sei de onde vim e para onde vou voltar''. E que a noção de governar para todo mundo até que é um passo adiante, quando deixa de ser uma frase feita para encobrir o abismo entre os diferentes andares de ''todo mundo''. Mas um operário metalúrgico e ex-líder sindical que ''tem lado'' não precisa ter lido Hegel para enxergar o papel da contradição, do conflito e da luta.



Tomemos a política de juros: na bonança como na tormenta, o Copom a aplica com um olho no ''Consenso de Washington'' e outro nos intérpretes do andar de cima do mercado. Os juros altos puxam para cima o gasto financeiro, que não estimula a produção nem o emprego nem o consumo, nem muito menos as contas públicas e uma estrutura tributária virtuosa, apenas o lucro parasitário dos agiotas. Mexer nesta política é condição para a prometida aceleração do crescimento com distribuição de renda.



Será também conflituoso. Provocará com certeza a grita dos agiotas – com destaque para os grandes banqueiros, cujos balanços no semestre passado escandalizaram o país com o crescimento sem precedentes de seus lucros obscenos. Causará indignação também aos sacerdotes do consenso neoliberal, especialmente se ousar submeter o Banco Central e seu Copom aos poderes públicos derivados do mandato democrático do voto.



Mas atenderá às necessidades e exigências da grande maioria, a começar pelos trabalhadores, mas chegando às camadas médias e até à burguesia produtiva, industrial, agrícola e de serviços, que nesse particular se diferencia da casta poderosa mas diminuta dos capitalistas financeiros. Será o caminho para fazer com que o crescimento e a distribuição de renda avancem dos ritmos atuais para tirar todo partido das potencialidades brasileiras e das oportunidades da cena mundial.