A cláusula de barreira é inconstitucional

A péssima novidade da eleição deste ano foi a imposição da cláusula de barreira  exigida pela draconiana lei 9095/95, aprovada durante o primeiro mandato do tucano Fernando Henrique Cardoso. Sob o pretexto de combater as chamadas “legendas aluguel” esse dispositivo antidemocrático tem por objetivo real “barrar”a presença no Congresso Nacional de parlamentares e partidos comprometidos com o povo. É, também, um golpe na pluralidade partidária assegurada pela Constituição e forjada pelo eleitorado brasileiro nas eleições realizadas desde a redemocratização.


 


Apenas sete dos 29 partidos que participaram da eleição poderão, de acordo com uma das interpretações da Lei, ter funcionamento parlamentar normal;  118 deputados federais (quase ¼ dos 503 membros da Câmara dos Deputados) estão ameaçados de se tornarem numa espécie de deputados de segunda categoria, uma vez que poderão exercer apenas parcialmente a representação para a qual foram eleitos, sem poder participar de comissões, lideranças e outras instâncias do parlamento. Situação de desigualdade a que seus partidos também ficarão submetidos, com limitadíssimo acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda gratuito no rádio e na tevê.Essa situação de “parlamentares de primeira e segunda categoria” não existe, segundo pesquisadores, em absolutamente nenhum país do mundo.


 


A lei que “desenterrou” a cláusula de barreira é tão antidemocrática quanto eivada de imprecisões e erros. Tão é assim que o próprio Tribunal Superior Eleitoral(TSE) não sabe como aplicá-la. A confusão é tal que o TSE, depois da eleição realizada, publicou três interpretações da lei!


 


O PCdoB teve mais de seis milhões de votos para o Senado Federal (superando a marca de 7,5% do total) e ultrapassou a marca de 2% em nove estados na eleição para a Câmara dos Deputados, contudo não atingiu o 5% dos votos nacionais.(Usualmente a exigência da cláusula era assim interpretada: 5% dos votos nacionais à Câmara dos Deputados e 2% em  pelo menos 9 Estados). São eleitores cuja vontade, manifestada nas urnas, será prejudicada pelas  discriminações  impostas pela lei aprovada há dez anos pelo tucanato.


 


A cláusula de barreira surgiu na Alemanha, após a Segunda Grande Guerra. A pretexto da instabilidade da República de Weimar, atribuída pelos conservadores ao grande número de partidos representados no parlamento alemão, os ocupantes americanos impuseram essa regra à Constituição para a reconstrução da Alemanha após a derrota de 1945. Mas o objetivo mesmo era barrar a eleição de deputados comunistas.


 


No Brasil, a regra foi adotada pela ditadura militar; em 1965, para forçar a organização de apenas dois partidos políticos, copiando o bipartidarismo norte-americano, o governo do general Castello Branco impôs a regra que exigia, para que os partidos pudessem se legalizar, 10% dos votos para a Câmara dos Deputados, em 2/3 dos Estados, com pelo menos 3% dos votos em cada; além disso, precisavam eleger 10% dos deputados em pelo menos um Estado, e 10% dos senadores.


 


Quando a Ditadura Militar “copiou” esse dispositivo do modelo alemão, sequer levou em conta que o Parlamento germânico é unicameral enquanto o brasileiro é bicameral (Câmara dos Deputados e Senado Federal).


 


Eram restrições tão severas que os próprios militares acabaram por flexibilizá-las em 1969, reduzindo a exigência para 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, em pelo menos nove Estados, com um mínimo de 3% em cada um deles. Anos depois, em 1985, voltaram a alterar as regras, fixando a exigência em 3% dos votos para a Câmara dos Deputados, em cinco Estados, com um mínimo de 2% em cada um deles. A Constituinte de 88 acabou com esse dispositivo no âmbito de sua ação que livrou o país do que se denominou de “entulho autoritário”,isto é, todos as leis e outros dispositivos jurídicos oriundos do período da Ditadura Militar.


 



A crônica contemporânea da cláusula de barreira teve início na revisão constitucional de 1993, quando o então deputado Nelson Jobim tentou impor a exigência de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados mais 2% desses votos em pelo menos 1/3 dos Estados. A proposta não foi sequer votada. Mas, em 1995, no começo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso aprovou a lei 9096, de 19 de setembro de 1995, impondo a lei que está em vigor que representa um sério golpe no principio constitucional da pluralidade e livre organização partidária.


 


É uma regra inconstitucional – esta é a opinião de inúmeros juristas, entre eles o procurador da República (aposentado) Samuel Sérgio Salinas, o professor José Luiz Quadros de Magalhães (reitor da Reitor da Escola Superior Dom Helder Câmara, MG), a professora  Celi Pinto, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRS, entre outros.


 


Argumentação semelhante, que contesta a constitucionalidade da lei, foi acatada também pela Câmara dos Deputados no início de 2003, quando o Prona e o PV foram ameaçados de serem excluídos do funcionamento parlamentar por não cumprir, naquela eleição, a exigência suplementar da lei 9096/95, que impunha aos partidos a obtenção de um por cento dos votos para a Câmara dos Deputados e eleger pelo menos cinco deputados federais, em cinco estados. O argumento, acatado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, foi o de que a lei era inconstitucional e, em conseqüência, aqueles dois partidos tiveram seus direitos preservados. Para o PCdoB é este o entendimento que deve prevalecer em relação à aplicação da cláusula de barreira nesta eleição.


 


O PCdoB, também, defende a realização de uma ampla reforma política para ampliar a democracia, e não para restringir a representação política. Seu debate precisa começar logo no início da próxima legislatura, em fevereiro de 2007, envolvendo uma extensa pauta que inclui a adoção das listas pré-ordenadas para as eleições parlamentares, o financiamento público de campanha, a federação de partidos, etc. A cláusula de barreira  é um retrocesso democrático que precisa ser revista e eliminada.