A CPI Abril / Telefónica e a democratização da mídia

É possível prever a reação da Editora Abril: vai alegar perseguição, censura, obstáculos à liberdade de imprensa, e por aí […]

É possível prever a reação da Editora Abril: vai alegar perseguição, censura, obstáculos à liberdade de imprensa, e por aí afora. Mas a decisão do deputado Wladimir Costa (PMDB-PA) de encaminhar um pedido de CPI na Câmara dos Deputados para investigar negócios entre a responsável pela revista Veja e a Telefónica, foi correta. O deputado conseguiu o apoio de 182 deputados federais – o mínimo exigido é de 171 – e, dia 24, apresentou o pedido que, até o dia 27, será analisado pela Assessoria Jurídica da Câmara, que emitirá um parecer com base no qual o presidente da Casa, Arlingo Chinaglia, poderá determinar a abertura da CPI ou mandar engavetar o pedido.


 


A Editora Abril vendeu 19,9% de sua participação na TVA para a Telefónica. Inicialmente, o contrato dava o controle total para a empresa espanhola. Mas a Anatel exigiu a mudança e, por isso, ela comprou apenas uma fatia da TVA. Mesmo assim, há suspeitas da existência de um “contrato de gaveta” que permitiria o controle total pela compradora, através de “laranjas”.


 


É um negócio que poderá render, para a Abril, quase um bilhão de reais, parte dos quais já teria embolsado, e no qual deputado Wladimir Costa identificou “fortes indícios de falcatrua”.


 


Realmente, a suspeita de que existem ilegalidades é muito forte. Elas incluem a violação da Lei do Cabo, pela qual só brasileiros podem tomar decisões em concessionárias de TV a Cabo; além disso, uma concessionária de telefonia (como a Telefónica, que comanda a telefonia em São Paulo) não pode ter, na mesma área, a concessão de uma TV a Cabo.


 


O deputado diz também que a  operação fere a Constituição Federal, sendo “potencialmente danosa ao princípio constitucional da livre concorrência”, e ameaça os direitos do consumidor. E pede que a apuração envolva também a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE), órgão do Ministério da Justiça.


 


O pedido de CPI da Abril / Telefónica é uma reação do parlamento contra a farra de denúncias promovida pela imprensa do grande capital. E a Veja é campeã neste festival de desmandos e irresponsabilidades, onde a veiculação de mentiras e acusações falsas é usada para tentar desestabilizar o governo e as instituições da República. É um frágil biombo, aliás, para defender interesses inconfessados dos setores conservadores e da direita, inconformados com o segundo mandato do presidente Lula.


 


Nas sociedades democráticas, a imprensa é considerada como o “quarto poder”. Por aqui, ela vai além e quer deter os quatro poderes juntos. Quer governar, e tenta impor à presidência da República os temas e as decisões do sistema de poder direitista e conservador do qual faz parte. Quer legislar: usa uma interpretação própria e particular das leis. E, muitas vezes, quer impor leis que os donos de jornais, revistas e emissoras de rádio e tevê, supõe como válidas. Quer julgar: a mídia do grande capital decide as sentenças contra aqueles que consideram culpados, condenam antecipadamente, e passam a pressionar todas as instâncias da República (o executivo, o legislativo e o judiciário) para que adotem e apliquem os julgamentos emitidos a partir das grandes redações.


 


A bisbilhotice contra ministros do Supremo Tribunal Federal, protagonizada nesta semana por um fotógafo do jornal O Globo, é a mais recente manifestação dessa arrogância antidemocrática. O fotografo registrou a imagem da tela do computador de dois juízes daquele tribunal, com o texto de mensagens eletrônicas que trocaram entre si. E o jornal carioca colocou esta violação de correspondência em sua capa, iniciando mais um “escândalo” na já longa lista de acusações desta natureza. No sábado, dia 25, o jornal O Estado de S. Paulo defendeu esse absurdo com o argumento antidemocrático de que o respeito à privacidade e à inviolabilidade da correspondência não se aplica a “atos de interesse público praticados por agentes públicos”, como os ministros do STF.


 


Isto é, segundo ponto de vista os jornalistas poderiam violar a correspondência de “agentes públicos”, a pretexto de defender o “interesse público”. Exatamente como faziam os agentes da polícia polítca da ditadura militar quando interceptavam e violavam a correspondência dos cidadãos!


 


É neste sentido que a CPI da Abril / Telefónica representa uma promessa e um alento – o da submissão à ordem publica de um “poder” cujos donos se consideram à margem e acima das leis, fora do alcance das regulamentações a que todos os cidadãos estão sujeitos numa sociedade democrática.