A crise chegou. Mas com que intensidade?

Com velocidade que pode chegar a 800 km por hora, o tsunami que ocorreu na Tailândia em dezembro de 2004 […]

Com velocidade que pode chegar a 800 km por hora, o tsunami que ocorreu na Tailândia em dezembro de 2004 levou entre três a cinco horas para chegar à costa da Índia. São escalas muito diferentes mas, para ficar com metáforas marítimas como marolas e tsunamis,  a crise, como esses fenômenos naturais tão catastróficos, pode levar algum tempo para causar efeitos nocivos distantes dos centros onde ocorrem.


 


A crise financeira que em meados de setembro atingiu sua fase atual e mais aguda alastra-se dos EUA pelo mundo; ela também tem uma velocidade de propagação, e não alcancou todos os países no mesmo tempo. No Brasil parece ter chegado esta semana, como indicam os sinais emitidos pelo mercado financeiro, pelas oscilações do dólar e pelas operações cambiais ruinosas de algumas grandes empresas.


 


Sua chegada era esperada. Ela já foi tema de debates, como a acesa discussão sobre a ''teoria do descolamento'' segundo a qual países como Brasil, China, Índia e outros de grau semelhante de desenvolvimento teriam alcançado um volume de comércio entre si, e acumulado uma quantidade de reservas suficiente para se safarem das oscilações catastróficas da economia estadunidense.


 


À medida em que a crise se agravava, este debate foi sendo ultrapassado por outro: que intensidade a crise teria nestes países? Economistas e comentaristas econômicos dos grandes jornais ligados ao conservadorismo neoliberal pareciam apostar no pior e descreviam cenários catastróficos. O governo fez o papel protocolar que lhe cabe, de bombeiro, assegurando  não haver um desastre no horizonte.


 


O fato, contudo, é que a crise chegou. E o governo mostrou que a tentativa de acalmar os agentes econômicos não foi um sonífero para as autoridades econômicas. Esteve alerta, como demonstraram as prontas medidas adotadas nesta semana, como o envio ao Congresso da MP 443, que autoriza o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal a comprarem bancos e empresas em dificuldades. Depois, quando a desvalorização do real crescia, fruto de especulação e também da urgência de grandes aplicadores estrangeiros de ter liquidez para enfrentar problemas de caixa em seus países de origem, o governo colocou na mesa a disposição de usar até 50 bilhões de dólares para segurar a moeda nacional. E o BNDES anunciou um conjunto de medidas para apoiar as exportações brasileiras.


 


O governo não vai adotar nenhum pacote, disse o presidente Luís Inácio Lula da Silva, mas ''anunciar medidas pontuais'' de acordo com o desenvolvimento da crise. Ele pediu à população que continue ''comprando as coisas que precisam”, para manter o mercado aquecido, garantir emprego e renda para os trabalhadores, e exorcizar a crise.


 


O governo demonstra que se preparou para enfrentar s adversidade. Mas a marca do capitalismo atual é a imprevisibilidade e a incerteza, e não deixa lugar para ilusões sobre a crise.A dúvida é quanto à sua dimensão, profundidade e duração de seu impacto. As crises passadas, como a de 1998, pegaram o Brasil despreparado e praticamente de joelhos em relação à economia mundial hegemonizada pelos EUA. O país, sob o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, adotou praticamente todas as exigências do FMI, fez a ''lição de casa'' da privatização e da desregulamentação e, quando a crise chegou – diga-se, aliás, muito menor do que a atual, cujo epicentro é a principal economia do planeta, os EUA – o país quebrou.


 


Agora não: o país construiu meios para sua defesa, e é com eles que dribra os ataques especulativos, a evasão de dólares e a escassez de crédito. Há discussões sobre as atitudes a tomar, mas é preciso registrar que as medidas oficiais levam em conta a situação atual e o desdobramento da crise. Há casos graves de falta de crédito, de liquidez, de prejuízos gigantescos de grandes empresas, como a Sadia, a Aracruz Celulose e a Votorantim, que perderam quantias gigantescas em aplicações financeiras; fala-se que há umas duzentas empresas na mesma situação. Mas ainda não há notícia de falência, embora haja oscilações na produção. Tanto que os indicadores sociais – como os índices de desemprego, por exemplo – ainda não registram contágio. E a previsão de crescimento do PIB para este ano continua na casa dos 5%.


 


A leitura dos jornais revela um forte debate, muitas vezes mais ideológico do que técnico. Há os que torcem por uma crise profunda que confirme suas teses catastrofistas. No lado oposto há argumentos róseos sobre a blindagem e imunidade do Brasil. Mesmo dentro da oposição há argumentos dispares: há governadores tucanos que criticam a ação do governo e economistas tucanos que a aplaudem. Na mídia, alguns jornais brasileiros apontam para o desatre próximo, mas a imprensa estrangeira – com destaque para a revista The Economist – tem chamado a atenção para os pontos positivos da economia brasileira, que poderiam abrandar o choque.


 


O momento não permite ilusões ou apostas irresponsáveis, seja na crise, seja na blindagem. A evolução da crise precisa ser acompanhada com atenção, principalmente pelos trabalhadores sobre quem pode cair – como sempre – o custo maior da crise.


 


A aposta que os brasileiros precisam fazer é na trajetória do país. Foi nas crises que o Brasil cresceu e criou condições para melhorar a vida do povo, construindo uma economia mais sólida, com mais empregos e capacidade de distribuir renda. Isso sempre aconteceu, é certo, de forma contraditória – mas o progresso social avançou quando, nas crises, o país procurou seu caminho próprio de desenvolvimento autônomo e soberano. A crise que se aprofundou este nos EUA e nos países ricos pode ser uma oportunidade semelhante.