A festa de Uribe e a escolha de Ingrid
Ao vencedor, as batatas, diria o personagem de Machado. Ao resgatar Ingrid Betancourt em uma cinematográfica e ainda mal explicada […]
Publicado 07/07/2008 02:24
Ao vencedor, as batatas, diria o personagem de Machado. Ao resgatar
Ingrid Betancourt em uma cinematográfica e ainda mal explicada operação
de seu exército, o presidente Álvaro Uribe tira partido do triunfo para
consolidar na Colômbia um bunker da oligarquia mais sanguinária e
pró-imperialista da América Latina contemporânea.
É o que mostra a pesquisa divulgada neste domingo (6) pela revista
colombiana “Semana” – ainda que se possa suspeitar dos números de uma
publicação que é uma versão radicalizada da brasileira “Veja”. Pela
pesquisa, 77% dos entrevistados apoiariam um terceiro mandato para
Uribe, embora a Suprema Corte do país conteste a legalidade do segundo,
obtido mediante suborno. A aprovação do presidente seria de 91%. Caso se
candidatasse, se re-reelegeria no primeiro turno, com 72%, secundado por
Ingrid, com 9%.
Este é o retrato do momento. Mostra o regime de Uribe como um corpo
estranho na América Latina rebelde da atualidade.
No continente avançam, a duras penas e por vias predominantemente
pacíficas, as causas do antiimperialismo, do desenvolvimento
independente, da integração soberana e quando menos do aplacamento das
iniqüidades sociais. Enquanto na trágica Macondo colombiana perduram os
oligarcas sabujos dos Estados Unidos, o paramilitarismo, o narcotráfico,
a corrupção e a fraude, a recusa em negociar uma saída para o impasse
armado.
Os novos ventos continentais também sopram na Colômbia. Mas
momentaneamente foram contidos pelos tambores da guerra e a fanfarra dos
êxitos reais ou imaginários na eliminação militar das Farc.
A própria Ingrid, que no passado guardava distância do perfil uribista,
depois de resgatada é só elogios ao presidente. A rigor, não só; mas os
reparos que faz são milimetricamente comedidos, como o conselho de
''mudar a linguagem'' e evitar ''palavras muito fortes''. Aparentemente esta
foi uma menção ao termo ''terroristas'', usado pelo regime e seu
presidente contra os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia). Mas Ingrid descreve as Farc com palavras nada
brandas, como semeadores ''do sangue e do terror''.
Compreende-se que Ingrid não goste das Farc. O mundo inteiro saudou a
liberdade da ex-senadora. E o uso dos seqüestros na Colômbia enfrenta
críticas como a expressa por Fidel Castro: ''Por um elementar sentimento de humanidade, alegrou-nos a notícia de que Ingrid Betancourt, três cidadãos norte-americanos e outros prisioneiros tinham sido libertados. Os civis nunca deveriam ser seqüestrados, nem os militares serem mantidos como prisioneiros nas condições da selva. Eram fatos objetivamente cruéis. Nenhum propósito revolucionário podia
justificar isso. Em seu momento, será preciso fazer uma análise profunda
dos fatores subjetivos'', escreveu o comandante no sábado (5).
Isso não exime Ingrid da responsabilidade que os holofotes da fama só
realçam. Ela pode se unir a seus compatriotas que lutam por diferentes
meios pela solução negociada do conflito armado, o intercâmbio
humanitário dos prisioneiros de guerra, uma paz justa e democrática. E
pode dar uma mão a Uribe, na busca de uma solução militar que vem
ensangüentando o país e terá resultados no mínimo duvidosos.
Caso tenha escolhido Uribe, a prisioneira resgatada terá com certeza sua
cota na partilha das batatas do momento. Mas terá feito a aposta
estratégica errada, tão certo como a Colômbia faz parte da América Latina.