A incitação de motins policiais pelo bolsonarismo

As hostilidades do bolsonarismo à hierarquia das polícias militares, prerrogativa dos governadores, cumprem a cartilha de semear o caos para impor autoritarismo. Desde o motim no estado do Ceará, no início de 2020, estimulado pelo governo federal, crescem os sinais de que trata-se de um movimento orquestrado. O jornal O Globo noticia, em sua edição de domingo (4), que lideranças policiais alinhadas ao discurso do presidente Jair Bolsonaro vêm confrontando medidas de combate à Covid-19 determinadas por governadores que fazem oposição ao governo federal.

É preciso recordar que o próprio Bolsonaro foi solidário ao motim da Polícia Militar do Ceará, segundo ele uma “greve legítima”. Convém ainda resgatar a ação do bolsonarismo nas articulações que resultaram no motim dos policiais militares do Espírito Santo, em fevereiro de 2017. Os protestos após a morte na Bahia do soldado Wesley Santos, no domingo anterior, 28 de março, que também se deram em estados como Ceará, Paraíba, Pernambuco e Espírito Santo, foram igualmente apoiados pelo bolsonarismo.

O pano de fundo é a manipulação de reivindicações históricas sobre questões salariais e de estrutura de trabalho. A manobra decorre de duas variantes básicas. A primeira está ligada à penúria financeira dos estados, castigados pela política monetária contracionista do governo federal, que drena recursos públicos também de estados e municípios. A polêmica esteve presente no debate sobre a chamada PEC Emergencial, quando Bolsonaro pressionou a Câmara dos Deputados para que o trecho que congela o salário de servidores durante crises fiscais fosse retirado.

O objetivo eram os agentes de segurança. “A bancada da segurança queria mudanças. Da minha parte, falei com relator que ele poderia correr risco de não aprovar se não mexesse em três artigos”, disse Bolsonaro. A manobra não prosperou, mas o presidente saiu com a imagem de que estava trabalhando pelo benefício aos policiais. Era um ardil, uma vez que o assunto não foi discutido com os governadores e com o Congresso Nacional. A intenção era exatamente jogar para a plateia que ele pretende manipular.

A política macroeconômica é incompatível com a proposta do presidente. Ele sabia disso. No “ajuste fiscal” draconiano do ministro da Economia, Paulo Guedes, não há espaço para essas concessões. Mas a manifestação de Bolsonaro serviu para açular os ânimos e mobilizar a sua base de provocadores, agora em aberta ação golpista nessas manifestações em vários estados. Todos eles sabem que investimentos em salários e na estrutura de trabalho dos policiais estão impedidos pela própria política macroeconômica, mas incitam motins por sabidas segundas intenções.

Essa é a segunda variante. O bolsonarismo, cada vez mais isolado, recorre a todos os métodos para fomentar o caos e se impor como salvador da pátria. No horizonte, o avanço da marcha golpista, já impossível de ser disfarçada. Sem respostas para as questões emergenciais decorrentes das crises econômica e sanitária, só resta à base política de Bolsonaro os ensaios autoritários, cada vez mais ousados. A incitação aos motins de policiais faz parte dessa estratégia. Não deve ser subestimada. A resposta dos governadores precisa ser fortalecida, com amplo apoio de todas as forças democráticas do país.