As verbas e as falácias de Bolsonaro contra a pandemia

Ilustração: The Intercept Brasil

A informação de que o governo utilizou apenas 9% da verba emergencial liberada para compra e desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19 no Brasil condiz com a postura negacionista do presidente da República. Não se está aqui dizendo apenas da sua compreensão ideológica obscurantista sobre o tema, mas da administração do Estado. Para ele, a saúde pública — assim como outras áreas da esfera dos serviços sociais — não faz parte das prioridades do Estado.

A verba foi liberada, mas a sua execução exigiria um planejamento para a destinação. A partir desse pressuposto, outras demandas emergiriam e assim o governo teria de renunciar à sua política de indiferença em relação à pandemia. Os números quando muito aparecem nas perorações de Bolsonaro e de alguns de seus ministros — especialmente o da Saúde, Eduardo Pazuello, e da Economia, Paulo Guedes —, mas sem efetividade.

É óbvio que as verbas liberadas são essenciais, inclusive para alavancar processos mais abrangentes de enfrentamentos aos efeitos da pandemia. Enquanto não houver vacinação em massa, a contenção da propagação do vírus segue sendo prioridade absoluta. A julgar pelo que tem dito Bolsonaro, contudo, essa possibilidade inexiste. O presidente tem esbravejado repetidamente que “o povo brasileiro é forte, não tem medo do perigo”, e que, tirando “os vulneráveis” — os mais idosos e os com comorbidade —, “o resto tem que trabalhar”.

É o mesmo raciocínio de quando ele mandou os que perderam alguém do convívio engolir o choro, e da alegação de que tem um “cheque de R$ 20 bilhões” para comprar vacina, mas o produto está em falta. Pela sua visão turvada pelo obscurantismo, basta proclamar meia dúzia de palavras de efeito para se passar como cumpridor de suas obrigações. Na prática, reafirma seu descaso, que se traduz em irresponsabilidade e violação dos princípios básicos da Constituição, uma postura essencialmente incivilizada e autoritária.

As leviandades das falas de Bolsonaro contrastam com o bom senso, para não dizer com os diagnósticos de cientistas e outras autoridades que lidam com a pandemia. A sentença de que “o resto tem que trabalhar” foi dita, também, como volta à “normalidade”. Seria a forma de evitar um colapso na economia, que traria, de acordo com seu prognóstico, consequências mais graves do que os efeitos da pandemia. A sorte que se encarregue de selecionar os que se contaminam, e sele seus destinos.

Dizer que o país não tem condições de sustentar economicamente um período emergencial não passa de falácia. Na verdade, Bolsonaro se utiliza dos seus obscurantismos ao difundir falácias para manter intocável uma política econômica que só beneficia quem vive do parasitismo financeiro, sangrando o Estado impiedosamente. Dar consequência às destinações das verbas liberadas seria abrir caminho para a contestação mais vigorosa à essa ditadura rentista.

Como se vê, em cada ação do governo Bolsonaro é possível identificar o seu perfil falacioso, irresponsável e autoritário. Mais do que isso: aparece, em cada gesto, sua determinação de fazer do povo — especialmente os trabalhadores — mero joguete num cenário macabro, que contabiliza mortes diárias na casa de milhares. À medida que ele avança em ações como essas, fica mais evidente que a tarefa principal do momento é conter sua marcha em direção a mais autoritarismo e mais tragédia social.