Bolsonaro e a privatização da Petrobras

Os nomes propostos até o momento por Jair Bolsonaro para comandar a Petrobras não vão assumir a missão. O consultor Adriano Pires – que presta assessoria para empresas do setor de energia – foi indicado à presidência da estatal. Já o empresário Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, foi nomeado ao Conselho de Administração. Nos dois casos, há conflitos de interesses, conforme afirmou o Comitê de Pessoas da Petrobras, em pareceres contrários – “com ressalvas” – às indicações.

Assembleia Geral Ordinária, que reuniria os acionistas e bateria o martelo sobre as nomeações, estava prevista apenas para 13 de abril. Mas Pires e Landim se anteciparam a um vexame ainda maior. Embora o Comitê de Pessoas não seja deliberativo, seus pareceres subsidiam o Conselho de Administração da Petrobras. Por sua vez, o conselho estava encarregado de emitir seu próprio relatório à Assembleia Geral – e o risco de mais “ressalvas” aos dois indicados de Bolsonaro pesou. Critérios claros de governança os barraram. A rigor, a maior estatal brasileira ficou sem comando.

“Incompetência criminosa! É difícil de acreditar, mas a verdade é que a Petrobrás está acéfala, sem presidente!”, criticou o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP). “O governo queria colocar as raposas para cuidarem do galinheiro. Aí as raposas acharam que ia dar muito na cara e atrair holofotes para os negócios.”

Contra Landim, existe um processo do Ministério Público Federal (MPF), que o acusa de crime de gestão fraudulenta, com prejuízos de R$ 100 milhões a fundos de pensão de funcionários da Petrobras (Petros), do Banco do Brasil (Previ) e da Caixa (Funcef). Com relação a Pires, o Comitê de Pessoas lembrou que sua consultoria atua há mais de 20 anos junto a empresas e entidades ligadas às distribuidoras de gás.

Bolsonaro tinha ciência dessas informações, mas pagou para ver. Segundo o jornalista Tales Faria, as escolhas do presidente da República, especialmente a de Pires, reforçavam a rota privatista de seu governo, ainda que dependesse de sua reeleição ao Planalto. “Embora a equipe econômica não morra de amores pelo escolhido, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ficou empolgado quando foi informado pelo presidente de que o indicado será encarregado da privatização da empresa. Tanto para Guedes como para Pires, Bolsonaro disse que a estatal lhe dá ‘muita dor de cabeça’ e que está convencido de que o melhor é se livrar da empresa”, escreveu Tales em sua coluna de 29 de março no UOL.

Afora a forma como o presidente lida com órgãos federais – uma forma irresponsável e nada republicana –, quem tem dor de cabeça com a gestão da Petrobras sob o governo Bolsonaro é o povo brasileiro. Ao manter a política de preços da companhia, adotada em 2016 e baseada no chamado “preço de paridade de importação” (PPI), o governo abriu margem para uma inflação de dois dígitos, em plena pandemia de Covid-19.

Desde 2020, crise sanitária e crise econômica andam juntas no Brasil. A CPI da Covid-19 comprovou, ao longo do ano passado, a responsabilidade do governo federal por ações e omissões que agravaram ainda mais a pandemia. No auge da CPI no Senado, os brasileiros descobriram que, além da criminosa negligência no combate ao novo coronavírus, a gestão Bolsonaro também se envolveu em esquemas de corrupção na compra de vacinas.

No caso do colapso econômico do País, a maioria da população considera que o presidente igualmente falhou. De acordo com pesquisa Datafolha divulgada em 28 de março, 75% dos brasileiros afirmam que o governo Bolsonaro tem responsabilidade na inflação elevada do País, puxada por itens como os alimentos e os combustíveis.

Como a União é a principal acionista da Petrobras, compete ao presidente da República, mais do que a qualquer outro brasileiro, definir a melhor política para a companhia. Mas Bolsonaro, em vez de enfrentar a PPI e ficar ao lado do povo, manteve a empresa a serviço do interesse financeiro dos acionistas. Em março, num único decreto, a Petrobras aumentou o preço da gasolina em 19%, do diesel em 25% e do gás de botijão em 16%.

Bolsonaro deu a entender que os novos reajustes teriam sido a “gota d’água” para a demissão do general da reserva Joaquim Silva e Luna do comando da estatal. Era blefe. Silva e Luna substituiu em 2021 o economista Roberto Castello Branco – e, um ano depois, nada mudou na prática. “Se pudesse, ficava livre da Petrobras”, tergiversou Bolsonaro em janeiro, quando cobrado por outra alta no preço dos combustíveis. Enquanto castigava o bolso da população sob esse governo, a companhia comprazia seus acionistas com recordes de lucro líquido (R$ 106,6 bilhões) e de dividendos (72,7 bilhões) – isso apenas no ano de 2021.

Não existe o Brasil moderno sem a Petrobras. Desde que foi criada, em 1953, no governo Getúlio Vargas, a empresa se tornou uma de nossas instituições mais simbólicas e renomadas, responsável maior pela industrialização e pelo desenvolvimento nacional. A exemplo de uma plataforma petrolífera flutuante – que, uma vez no mar, sobre águas profundas, tem de enfrentar e vencer a força dos ventos e das ondas –, a Petrobras, mesmo diante da irresponsabilidade e da incompetência de Bolsonaro, resiste. Nos últimos 25 anos, foi alvo de tentativas de privatização, de esquemas de corrupção, do entreguismo da Operação Lava Jato e da política de preços pró-acionistas. Mas, prestes a se tornar septuagenária, a empresa se mantém como orgulho nacional.

Em busca de reeleição, Bolsonaro pode tratar a venda da Petrobras como seu compromisso central com o mercado, em especial o setor financeiro, que resiste em apoiar a pré-candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Na luta contra a inflação e a carestia, é dever dos brasileiros impedir a privatização da Petrobras e implodir sua nefasta política de preços. Qualquer saída passa pela indispensável derrota do bolsonarismo e de seus agentes no mercado. Slogans como O Petróleo É Nosso e #ForaBolsonaro, mais do que atuais, são hoje indissociáveis.