Bolsonaro quer “por em cana” a democracia

Talvez ele "pegue uma cana aqui". Foi com termos assim, vulgares e rebaixados, que o ex-capitão Jair Bolsonaro – que exerce a presidência da República como se fosse um policial – ameaçou o jornalista Glenn Greenwald na manhã do sábado (27).

A afirmação foi prontamente repudiada pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), pelo próprio Glenn Greenwald e por todos aqueles para quem o pleno exercício da liberdade de expressão é um pilar intocável da democracia e do Estado Democrático de Direito.

A ameaça de Bolsonaro foi feita no contexto da publicação, na sexta-feira (26), da portaria 666 – o número da Besta, segundo muitos – pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro, permitindo a expulsão sumária de estrangeiros considerados indesejáveis. Embora o próprio Bolsonaro tenha reconhecido que Glenn Greenwald não se encaixe na portaria por – acusa absurdamente o ex-capitão – ser "malandro" e ter se casado com um brasileiro. A portaria e a ameaça autoritária de Bolsonaro foram prontamente contestadas.

A Defensoria Pública da União (DPU), por exemplo, divulgou nota onde a acusa de violar a Constituição Federal e as leis de Migração (13.445/2017) e do Refúgio (9.474/1997), que garantem os direitos dos migrantes – direitos que esta portaria de sentido fascista e xenófobo simplesmente ignora e joga no lixo. A nota da DPU afirma que a portaria viola o devido processo legal e, o mais grave, o princípio da presunção de inocência assegurada na Constituição Federal “ao permitir uma medida gravosa de restrição de direitos com base em um reconhecimento vago de periculosidade sem qualquer amparo judicial."

A nota da ABI não emprega termos amenos para condenar tanto a portaria 666 quanto a clara ameaça contra a liberdade de expressão feita pelo capitão-presidente ao rosnar contra Glenn Greenwald. A nota emprega as palavras duras que a situação exige. Sob o título "ABI diz não à intimidação", acusa Moro de publicar sua portaria "acuado" pelas irregularidades reveladas nos vazamentos publicados pelo portal The Intercept Brasil. Acusa a portaria e a ameaça à liberdade de imprensa e aos jornalistas de "inconstitucional e um abuso de poder", e rejeita medidas para "intimidar a quem quer que seja" – referindo-se diretamente às ameaças contra Glenn Greenwald. É, diz aquela associação democrática, "mais um caso de arbítrio e de atentado à liberdade de imprensa."

Para a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) “ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão. Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão. Chega de perseguição”. A entidade finaliza conclamando à defesa do jornalismo.

O próprio Greenwald também contestou a ameaça presidencial e disse que “ao contrário dos desejos de Bolsonaro, ele não é (ainda) um ditador" e enfatizou que os tribunais ainda funcionam no Brasil.

Bolsonaro, que ameaça jornalistas críticos de seu governo, e o ministro Sérgio Moro, que afronta a lei para tentar calar a voz da democracia, atuam em sintonia e suas atitudes representam uma grave ameaça à democracia e podem pavimentar o caminho do fascismo. A consciência democrática nacional precisa reagir com vigor e amplitude capazes de mover forças que, efetivamente, impeçam o avanço do arbítrio e não permitam que a democracia seja destruída no Brasil.