Capitalismo em crise: a ''mão invisível'' no seu bolso

A falência do quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, o Lehman Brothers, deixando uma dívida de US$ 613 bilhões, derrubou nesta segunda-feira (15) as bolsas do mundo. Patenteou, em tom dramático, o tamanho da crise financeira global.



''Isso é um acontecimento que se produz uma vez em cada cinquenta anos, provavelmente uma vez por século'', disse o economista Alan Greenspan – insuspeito de inclinações revolucionárias, pois foi por 19 anos o chefão do Federal Reserve, o banco central dos EUA. Para ele o terremoto ''ainda deve durar algum tempo'' e que há mais de 50% de chances dele gerar recessão nos EUA.



Periodicamente, a máquina global do capitalismo é acometida por essas convulsões. Há as crises locais e as mundiais, as cíclicas, que voltam a cada década, e as de ciclo longo, estudadas por Kontratiev, como foi a Grande Depressão dos anos 1930 e periga ser a de agora.



Crises não são pois novidade. Os porta-vozes da ideologia dominante – economistas, homens da mídia, políticos – já têm um comportamento-padrão para elas. Tratam-nas como uma fatalidade, um desastre natural: desta vez há muitos paralelos com o furacão Ike. Ou então buscam causas fortuitas, em tal ou qual medida do governo ou do banco central, tendência ou jogada empresarial, ou nos caprichos do ''mercado'', visto como um indivíduo ciclotímico, ora ''nervoso'', ora ''apático'' ou ''em pânico''.



Essas explicações coexistem sem maior cerimônia com a crença de que o capitalismo é o melhor dos sistemas e o mercado se ''auto-regula''. Invoca-se a ''mão invisível'' de Adam Smith, que faria com que a soma dos interesses egoístas, interagindo no mercado, leve pelo ''curso natural das coisas'' ao que é mais útil e virtuoso, à prosperidade e bem-estar gerais.



Se o leitor crê em tais lorotas, acautele-se. Há um risco concreto de que a ''mão invisível'' do mercado esteja para entrar no seu bolso, suprimir seu posto de trabalho, deixá-lo sem crédito ou quebrar a sua empresa. A recessão, o desemprego, a inadimplência e as falências são os sintomas mais típicos das crises capitalistas.



Mas alegre-se, leitor: nem todos se dão mal nas crises. Isso vale para a massa dos assalariados, os trabalhadores por conta própria, para os pequenos empresários, os médios e até muitos grandes, ou gigantescos como no caso do Lehman. Mas há os que prosperam com a crise.



Veja-se o Bank of America, o BofA. Era o segundo maior do mundo, com US$ 2,5 trilhões de ativos, atrás do Citigroup. Neste domingo, anunciou que está abocanhando um peixe menor fragilizado pela crise, o banco Merrill Lynch, pela bagatela de US$ 38 bilhões: o que puxará o BofA para o topo dos bancos do mundo.



Fusões e incorporações acontecem a toda hora, mas é nas crises que ganham maior impulso. Forçadas pelos mecanismos da concorrência, elas centralizam e concentram o capital, gerando cada vez mais o grande capital e o monopólio capitalista.



''É uma grande oportunidade para nossos acionistas'', comemorou Ken Lewis, presidente do BofA, ao anunciar o negócio dominical. Se o leitor é um desses felizardos, deu-se bem com a crise. Mas se vive do seu trabalho, abra o olho, pois a ''mão invisível'' do mercado não conduz ao bem-estar geral.