Hillary no Oriente Médio: de tacape na mão. Vai funcionar?

A viagem da secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, aos países do Golfo Pérsico é sombria. Ela desembarcou na região no domingo (dia 14) para um giro que termina hoje, disseminando ameaças e adulando aliados dos EUA contra o Irã. Faz parte de uma escalada crescente, que envolve também pressões e ameaças contra a China que vão desde a interferência na política interna chinesa, no caso do controle da atuação do Google, até a recepção pelo presidente Barack Obama do autodeclarado “pacifista” Dalai Lama, e a venda de armas para a província rebelde chinesa de Taiwan.

É um jogo complicado para os interesses da diplomacia dos EUA. A questão é que, com o desequilíbrio da geopolítica no Oriente Médio, depois da invasão e da desorganização promovida pela agressão dos EUA contra o Iraque, as relações de poder na região mudaram. E cresceu a influência do país dos aiatolás, um antagonista aparentemente com força suficiente para enfrentar a política imperialista no Oriente Médio e se contrapor à cabeça de ponte do "Ocidente" representada por Israel.

É um filme que, de certa maneira, se repete, em outras circunstâncias. Como o Iraque foi no passado, o Irã é acusado de desenvolver armas de destruição em massa e de não aceitar a fiscalização internacional sobre seu programa nuclear. Como ocorreu com o Iraque, a soberania nacional é vilipendiada e as garantias sobre o caráter pacífico desse programa nuclear não são consideradas.

Há uma diferença fundamental em relação ao período em que Washington pairava sobre o mundo de forma unilateral: o núcleo do chamado "Ocidente", constituído pela Europa e EUA, não exibe mais a vistosa unidade do passado, e se concordam com a imposição de sanções contra o Irã, não têm certeza sobre sua medida e profundidade. E mesmo sobre sua eficácia, como sugere a advertência de Karl-Theodor zu Guttenberg, ministro alemão da Defesa, para quem é preciso "considerar com muito cuidado que impacto nossas opções podem ter", embora ele apóie as sanções.

Outro risco é a perspectiva de perda na votação no Conselho de Segurança da ONU, onde as medidas contra o Irã precisam obter o voto de 9 dos 15 países com assento naquele organismo. Não será fácil conseguí-los num cenário em que países de recente notoriedade e influência internacional – entre eles China e Brasil – opõe-se às sanções e defendem saídas negociadas para a crise.

Apesar das bravatas, os EUA não contam mais com a unidade automática no Conselho de Segurança da ONU para aprovar as medidas punitivas ao Irã. Apesar disso, a escalada estadunidense prossegue com o unilateralismo do passado recente e, no começo do mês, o governo Obama, com apoio da Câmara de Representantes e do Senado, adotou medidas unilaterais contra empresas iranianas, congelando seus bens nos EUA.

Os EUA não se deparam com o quadro de dez anos atrás, quando a histeria anti-Iraque e anti-Sadam Hussein angariou favoreceu o ataque contra Bagdá. Um dos resultados daquela agressão foi a desmoralização e descrédito da política externa dos EUA. E também a falência das soluções de força, que desorganizou aquele país e impôs uma enorme carga de sofrimento à população iraquiana, mas foi impotente contra a resistência iraquiana, afundando as forças agressoras num atoleiro militar e político. Esta situação se repete hoje no Paquistão e principalmente no Afeganistão, onde enfrenta uma decidida resistência armada.

É neste quadro que a diplomacia e o governo dos EUA brandem com desenvoltura seu tacape, ameaçando o Irã com “consequências crescentes”, como disse Obama no discurso anual sobre o estado da União, em 27 de janeiro. No começo de fevereiro, ele subiu o tom e anunciou um "significativo regime de sanções" contra o Irã. E, em busca de apoios a essa política, mandou sua secretária de Estado ao giro de três dias pelos países do Golfo Pérsico, onde ela – repetindo temerariamente a farsa de Bush, de sete anos atrás – garantiu a existência de provas de que o Irã está trabalhando para construir uma bomba nuclear.
O mundo está mudando e o unilaterialismo que prevaleceu desde a década de 1990 parece superado, embora o imperialismo estadunidense não seja uma carta fora do baralho. E, mesmo sem a mesma força política – tudo indica – para impor sua vontade ao mundo, mantém as mesmas práticas condenadas ao trazer o tacape para pressionar seus aliados. Resta ver se China, Rússia e Brasil vão se dobrar aos rosnados de Washington. Mas nada indica que isso vai ocorrer.