Intervencionismo na Síria culmina na Assembleia Geral da ONU

No evento da aprovação de uma resolução da Assembleia Geral da ONU condenatória contra a Síria, nesta quarta-feira (15), é necessário rediscutir a violência armada que assola o país há dois anos. O fato começa a ser admitido, ainda que relutantemente, inclusive pelos EUA e União Europeia, que apoiam de forma irresponsável os grupos armados na Síria que se dizem de oposição, inseridos em uma “Primavera Árabe” instrumentalizada contra governos que resistem às pressões políticas imperialistas.

Romantizar os levantes árabes contra regimes ditatoriais (em casos como a Tunísia e o Egito, entre os que receberam atenção midiática), serviu a atores como os Estados Unidos e membros da União Europeia, que se colocam como os defensores da democracia e da racionalidade no mundo, para generalizar a tendência quando convinha, e silenciar quando incomodava. É o caso do Bahrein e outros reinos autocráticos, como a Arábia Saudita, que escaparam não das revoltas, mas da condenação internacional.

O governo do presidente Bashar Al-Assad, na Síria, foi condenado desde o começo como “ditatorial”, repressivo, opressor, violento, e outros adjetivos que nunca são usados para países como os EUA e, na região, Israel, em contextos como a Assembleia Geral. A dominância deste discurso fez com que toda a cobertura midiática hegemônica sobre o tema fosse moldada nesses padrões, impossibilitando ressaltar a disposição do governo sírio ao diálogo (já demonstrada com políticas internas concretas) e sobre o caráter criminoso e terrorista de grupos armados que atuam no país, com o apoio financeiro e militar (seja com armamentos ou com treinamento) estrangeiro.

A surdez seletiva vai nessas duas direções: as potências se recusam a ouvir o discurso nacional sobre a necessidade de um diálogo político interno (com o apoio de potências como a Rússia e a China e de outros aliados regionais, como o Irã) e, também, viram as costas para as revoltas contra regimes ditatoriais em países onde têm “compromissos”, como a Arábia Saudita, o Bahrein, o Catar, entre outros.

Disso se aproveita o regime sionista de Israel, que procura oportunidades para desestabilizar governos contrários às suas políticas de ocupação da Palestina e outras medidas agressivas na região. É o caso com o Irã (no contexto do seu programa nuclear, cuja ausência de evidências sobre um objetivo militar também é ignorada) e com a própria Síria.

Para o primeiro, o governo israelense já ameaçou publicamente conduzir ataques aéreos contra instalações de pesquisa nuclear; para a Síria, aproveitando-se de uma crise interna alimentada externamente de forma persistente, concretizou a ameaça, com os ataques do começo de maio às instalações de pesquisa militar perto da capital, Damasco, numa grave violação da soberania síria. Sobre isso, não houve condenação da ONU, nem mesmo a retórica do secretário-geral da ONU Ban Ki-Moon, embora diversos países tenham condenado a ação e pedido uma medida eficaz da organização.

A Liga Árabe, cuja fundação foi concretizada também pela Síria, tomou o lado errado da questão, embora não sem oposição interna. Países como o Iraque e o Líbano, ainda que afetados por suas próprias sensibilidades políticas internas (e no caso do Líbano, diretamente relacionadas com a política interna na Síria), condenaram a atitude da Liga de conceder o assento sírio à chamada “oposição”, a Coalizão Nacional Síria, numa ação irresponsável e de ingerência na política interna da Síria.

Assim como esta medida, a aprovação da resolução na Assembleia Geral da ONU, apesar de simbólica e sem efeitos obrigatórios, também pode influir negativamente na situação interna, como ressaltaram os países que votaram contra (o Irã e a Rússia entre eles) durante a sessão, e outros países que se abstiveram (como o Brasil e a Índia, por exemplo), em outras ocasiões em que sublinharam a necessidade de uma solução dialogada nacionalmente. Além disso, a resolução “saúda a criação da Coalizão Nacional Síria, como interlocutores efetivos para uma transição política”, como “o único representante legítimo do povo sírio”.

Por outro lado, na semana passada, o anúncio de um acordo entre a Rússia e os EUA sobre a opção pelo diálogo e sobre a realização de uma conferência internacional (que inclua todas as partes no conflito e os atores regionais) não havia sido recebido com tanto otimismo ou confiança pelos aliados da Síria, mas alguma expectativa chegou a gerar. Até mesmo o Irã chegou a declarar que apoia a iniciativa, baseada no anterior Comunicado de Genebra, elaborado no encontro entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e alguns vizinhos da Síria, em junho de 2012.

A resolução da Assembleia Geral, em sua tradição generalista, condena a violência no país e pede uma transição política, a que o presidente Assad já se comprometeu, lembrando que o ciclo eleitoral da Síria, de sete anos, será renovado em 2014, quando Assad deve deixar o poder, conforme a Constituição. Além disso, já está em vigor há vários meses uma comissão política que inclui grupos de oposição envolvidos no governo. Em outras palavras: há alternativas para os grupos que se declaram “opositores” participarem nos debates políticos que já se desenvolvem, apesar da grave instabilidade provocada pela violência.

Mas disso depende a vontade dos atores regionais e internacionais de contribuírem construtivamente para a solução do conflito, que não pode ser militar, ao invés de apoiarem os grupos armados compostos por mercenários estrangeiros (como se tratasse de uma representação legítima do povo sírio) numa instrumentalização contínua da desarticulação das forças políticas com discursos sectários e num esforço constante pela desestabilização da Síria.