Nobel para Obama. Uma aposta de risco?

O presidente dos Estados Unidos e vencedor do Nobel da Paz, Barack Obama recebeu a honraria com surpresa. E agora precisará provar ao mundo que a mereceu.

Ela cria duas possibilidades: Obama pode usar o título conquistado para se impor, enfrentar a oposição conservadora e os falcões republicanos que insistem em aprofundar o imperialismo militarista; ou pode usar o prêmio como desculpa para manter sua política externa do jeito que está.

Seja qual for a opção, Obama ainda precisa dizer a que veio. No discurso de agradecimento que fez na Casa Branca, ele sinalizou a opção pela primeira alternativa. Encarou a premiação como “um apelo à ação” e não como um “reconhecimento pelas próprias realizações”.

Foi assim que muitos analistas também encararam a escolha do Comitê de Estocolmo: como uma aposta na capacidade de Obama colocar em prática promessas que, por enquanto, estão só no discurso.  

São muitas as arestas que precisam ser aparadas para que Obama possa demonstrar que é merecedor do prêmio. Nesta fase inicial de seu mandato, as sinalizações não foram boas. A premiação ocorre, por exemplo, na semana que o Senado dos EUA aprovou o maior orçamento militar da história, de US$ 626 bilhões.

A ocupação militar do Afeganistão, comandada pelos Estados Unidos, está sangrando. Nos últimos meses, centenas de afegãos foram mortos. Havia 205 candidatos ao Nobel deste ano. Certamente a maioria deles não tem este sangue todo escorrendo pelas mãos.

No Iraque, a prometida retirada das tropas ainda não aconteceu.

Em relação às supostas “ameaças nucleares” representadas pela Coréia do Norte e Irã, o governo Obama mais mordeu do que assoprou, sem dar sinais suficientemente positivos para estabelecer um diálogo produtivo com estes países.

Na mediação do conflito no Oriente Médio, Obama não fez nada mais do que seus antecessores em Washington: reuniu líderes palestinos e israelenses para apertarem as mãos diante das câmeras de TV. Mais nada. Nenhum passo concreto para resolver o conflito que só terá esperança de solução com a criação de um estado palestino, a favor do qual Obama ainda não se pronunciou. Israel, com suas 200 ogivas atômicas clandestinas e sua política genocida, ainda é o parceiro preferencial dos EUA na região.

Em Honduras, seu governo condenou o golpe militar mas tem feito muito pouco para a volta da democracia com a restituição do presidente deposto, Manuel Zelaya. A diplomacia estadunidense parece capitular ante a pressão da direita americana que apoia abertamente o golpe.

Ainda na América Latina, pesa na conta de Obama a renovação do bloqueio econômico e comercial contra Cuba. Um embargo criminoso, condenado pela ONU em várias ocasiões, mas mantido a ferro e fogo pelo governo americano. Na América do Sul, avolumam-se os problemas. Na Colômbia, um acordo militar prevê instalações de bases americanas que ameaçam a soberania e a segurança dos países da região, que já são alvos freqüentes de conspirações e sabotagens protagonizadas por diplomatas americanos, como no Equador, Bolívia e Venezuela. Outra ameaça é a reativação da Quarta-frota Naval.

O desativamento da prisão de Guantánamo, previsto para o início de 2010, e a suspensão do projeto de escudos anti-mísseis na Europa foram, até agora, as únicas ações concretas do governo Obama em favor dos direitos humanos e da propalada “paz mundial”. Muito pouco para quem chefia uma potência bélica com a mais poderosa economia e aparato militar do planeta.

O escritor José Saramago disse que o Nobel da Paz para Obama não é prematuro "se o tomarmos como um investimento". Um bordão conhecido dos brasileiros – “a esperança vai vencer o medo” – pode se encaixar nesta expectativa. Neste sentido, espera-se que Obama encare a premiação como uma aposta de que é possível caminhar para a construção de um mundo mais justo, menos violento, menos desigual. O democrata e primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos pode contribuir sim para isso e para "quitar" sua dívida com a comunidade internacional, mas é preciso querer e fazer acontecer.