O bolsonarismo e as vacinas do oportunismo privado

Ilustração: The Intercept Brasil

A aprovação pela Câmara dos Deputados do projeto que permite à iniciativa privada comprar vacinas contra a Covid-19 para a imunização gratuita de seus trabalhadores tem implicações legais e éticas. A tentativa de setores empresariais de enfraquecer a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), único órgão no Brasil com autoridade para aprovar o uso de medicamentos, é explícito, uma afronta a preceitos básicos da Constituição, como o princípio de isonomia e igualdade.

O projeto, ainda pendente de votação no Senado, libera vacinas aprovadas em qualquer regime, em qualquer lugar do mundo, sem a anuência da Anvisa. Mais grave ainda é o fim da obrigatoriedade para grupos prioritários definidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É a troca da prioridade pelo poder do dinheiro, uma barbárie inominável. Há ainda a controvérsia sobre a obrigatoriedade de doar para o governo metade das doses compradas que, sem registro no Brasil, ficariam impedidas de serem utilizadas.

Não se pode isentar o governo Bolsonaro nessa atitude oportunista. Além da já conhecida irresponsabilidade no tratamento da pandemia e no combate aos seus efeitos, existe a pregação do presidente da República de que o funcionamento da economia depende do absoluto descontrole da propagação da Covid-19. Em grande medida, essa falta de seriedade sobre a preservação de vidas está por trás do projeto aprovado na Câmara dos Deputados.

O interesse desse lobby empresarial está restrito à lógica de Bolsonaro. Na falsa dicotomia bolsonarista entre pandemia e economia, a prioridade deles é a segunda. Para eles, salvando a economia o que vem depois é consequência. A falsidade é explícita, mas, para esses setores empresariais, isso é o de menos. Importa para eles o imediatismo, que nesse caso se traduz em oportunismo. Nessa equação, o que se destaca mesmo é o cinismo.

Bolsonaro, que tem variado as formas para defender a charlatanice de sempre, tem insistido nessa dicotomia farsesca, voltando inclusive a enfatizar a panaceia do tratamento precoce. Abusando da palavra “liberdade”, uma espécie de nova lei absoluta capaz de responder a todos os dilemas, o presidente da República na verdade segue agindo como sabotador das medidas reconhecidamente eficientes para conter a propagação da pandemia.

Em uma frente ele atiça suas hordas nas redes sociais e em setores da mídia contra governadores e prefeitos que não rezam por sua cartilha, fomentando motins policiais e espalhando fake news inclusive com leviandades sobre “corrupção”, e em outra manipula os setores empresariais mais atingidos pelas crises econômica e sanitária. A soma resulta na sua sistemática pregação contra as medidas protetivas, a verdadeira responsável pela tragédia social em curso no país.

O projeto do lobby desses empresários se insere nesse contexto. É mais uma ação que precisa ser desmascarada e enfrentada no âmbito da luta pelo fim dessa política genocida do bolsonarismo, que desafia a lógica e afronta até o bom senso. Como disse a presidenta do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, a vacinação é a política econômica mais importante neste momento. Essa é uma condição básica para uma retomada econômica segura, disse ela. Uma constatação óbvia, frontalmente contrária ao bolsonarismo.