O desabamento do PIB e as ilusões de Bolsonaro e Guedes

Até que ponto o Brasil, com um Produto Interno Bruto (PIB) superior a R$ 7 trilhões, pode ser considerado um país pobre? É, sim, um país disforme, ou profundamente injusto do ponto de vista social, para usar um termo mais corrente. Com seus vícios e virtudes, esplendores e misérias, sua economia está entre as maiores do mundo, com uma industrialização média e uma razoável capacidade de investimento.

Não há justificativa, portanto, para a queda de 9,7% do PIB no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro trimestre de 2020, e 11,4% em relação ao segundo trimestre de 2019. Os números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a economia voltou ao mesmo patamar do final de 2009, quando o país ainda sentia os impactos da crise financeira mundial iniciada em 2007-2008.

A queda só não foi maior devido à pressão da sociedade e à tomada de posição do Congresso Nacional em aprovar um conjunto de medidas para prover o combate à pandemia e o socorro às empresas, a proteção ao emprego. Cálculos de pesquisadores indicam que o auxílio emergencial de R$ 600, que Bolsonaro pretendia que fosse de apenas R$ 200, representa 2,5% do PIB do trimestre.

A alegação de que a economia foi fortemente afetada pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus não justifica uma queda nessa proporção. Pode-se dizer que a queda brasileira está em linha com as de outros países, principalmente os ricos, e até inferior a outros da América Latina, mas bem superior à da China, que no mesmo período cresceu 11,5%. Claro que essa discrepância tem a ver com a forma de enfrentar a pandemia, mas o peso maior vem da política de gestão do Estado como carro-chefe do processo econômico.

O crescimento chinês contrasta com a sinalização do Banco Mundial, que havia divulgado, no início de junho, projeções para 2020 como o ano em que a maior proporção de países apresentará retração na renda per capita ao mesmo tempo, numa série iniciada em 1870. Em 2020, 92,9% de todas as economias do mundo deverão registrar quedas. O recorde anterior foi visto em 1931, em plena Grande Depressão, quando 83,8% dos países viram a renda per capita cair. O Banco Mundial espera uma retração de 5,2% na economia mundial em 2020.

Mesmo a Índia, que antes da pandemia havia ultrapassado a China por alguns trimestres em termos de economia que mais crescia no mundo, agora está às portas de uma recessão de gravidade sem precedentes. A produção econômica do país encolheu quase 24% no último trimestre, a maior queda mundial durante a pandemia.

A reação da China e o prognóstico do ministro da Economia Paulo Guedes para a retomada da economia brasileira revelam um contraste que encerra muitas lições. Claro, não se pode comparar as duas economias em termos de tamanho e produtividade, mas é o caso de olhar para o potencial de ação do Estado brasileiro como absurdamente subestimado. O país poderia estar em situação bem menos grave se essa premissa fosse prioridade do governo.

A afirmação de Guedes de que a queda de 9,7% do PIB já era esperada pelo “mercado” e pelo governo, “um som distante”, reflexo da pandemia, e que a economia brasileira já está em recuperação em V (forte queda, seguida de rápida recuperação) não passa de verborragia oca e estridente. Sua previsão de crescimento em 2021 de 3,2% do PIB é daquelas coisas que fazem primeiro a pessoa perder o senso de realidade, depois o respeito e por fim qualquer condição de continuar falando com alguma credibilidade.

Para haver um mínimo de realismo nesse prognóstico, o país precisaria, primeiro, controlar a crise de saúde. Sem a contenção da propagação da pandemia, a probabilidade de manutenção de taxas elevadas de contaminação e mortes é grande, com fortes impactos na economia. Outra medida indispensável é a atuação do Estado, com juros zero ou negativos e crédito farto, além de puxar o investimento.

Como se sabe, essas premissas não fazem parte do governo Bolsonaro. Seu projeto econômico se limita a administrar o orçamento e o patrimônio públicos de acordo com os interesses rentistas das oligarquias financeiras. Há ainda o agravante de que o desemprego segue numa escalada descontrolada e da anunciada redução da renda de um grande contingente da população com o congelamento do salário-mínimo e redução pela metade do auxílio emergencial.