O descaso de Bolsonaro com as micro, pequenas e médias empresas
Publicado 20/05/2020 21:52

No começo de abril, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que os recursos do governo federal destinados a salvar empresas estavam “empoçados no sistema financeiro”. A constatação ocorreu duas semanas depois de o Banco Central (BC) anunciar o plano de liberar de R$ 1,2 trilhão aos bancos para aumentar a liquidez; dar “segurança para que as instituições financeiras mantenham e ampliem seus planos de concessões de crédito”, como afirmou uma nota publicada em março pelo governo federal.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, garantiu que a situação era confortável. “As instituições estão bem provisionadas, com boa liquidez e capital sobrando”, afirmou, à época. E acrescentou: “O arsenal do Banco Central é grande para combater qualquer tipo de crise. O sistema financeiro brasileiro vai funcionar perfeitamente.” Mas o que vem ocorrendo é que os bancos privados continuam segurando a concessão de crédito, sem que o governo tome providência.
O crédito privado para as pequenas empresas sempre foi restrito e caberia aos bancos públicos suprir essa necessidade. Agora, na crise da pandemia do coronavírus, mais ainda. Se o Estado ignora as micro, pequenas e médias empresas, a tendência é de quebradeira geral, atingindo toda a cadeia produtiva. Mesmo o crédito prometido pelo BC, que em tese chega às grandes empresas, entra na renegociação de dívidas, fazendo com que o dinheiro gire no sistema financeiro, em vez de impulsionar a economia.
Esse dinheiro tem sido motivo de controvérsia até no sistema financeiro. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), os bancos privados recebem esse recurso sem a obrigação de repassá-lo ao setor produtivo. O poder público terceirizou o repasse, ignorando a situação das famílias e das micro, pequenas e médias empresas. E assim, instalou-se a farra financeira com o recurso do BC.
De acordo com a economista Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec, em declaração ao site The Intercept Brasil, as taxas de juros até aumentaram, ao mesmo tempo em que os prazos para pagamento foram reduzidos. Identificada pelo BC no final de março, a prática chegou a motivar uma decisão judicial para coibi-la, em abril. A economista lembrou que o crédito em tempos de pandemia não deve ter objetivo de lucro. “É dinheiro público” e, por isso, deveria ter uma tarifa mais baixa, destacou.
O The Intercept Brasil relata que em seu site o BC diz que o Programa Emergencial de Suporte ao Emprego “tem o potencial de atingir até 12,2 milhões de empregados em 1,4 milhão de empresas”. Dados divulgados pela própria instituição no dia 14, porém, mostram que os benefícios da medida são uma realidade para poucos – na verdade, para quase ninguém. Segundo o BC, apenas R$ 1,44 bilhão havia efetivamente chegado aos pequenos empresários até o dia 11 de maio, o equivalente a apenas 3,6% do total disponibilizado pelo programa.
A verdade é que há um tremendo descaso do governo com essa questão. Mesmo a lei que cria linha de crédito para micro e pequenas empresas foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro mais de um mês após ter sido aprovada, ainda assim com vetos. O presidente tem se comportado com a opção clara de forçar uma situação de caos social para, na agudização da crise, pescar em águas turvas.
Sua demagógica defesa da economia em contraposição ao isolamento social para evitar a disseminação da Covid-19 não se sustenta por uma equação simples: sem recursos do Estado, não há como as empresas da base da cadeia produtiva sobrevierem. Sem elas, não há emprego e renda. Não há sequer condições de preservação das empresas e dos trabalhadores para, no pós-pandemia, retomar a normalidade da economia.