O frágil compromisso da direita com a legalidade

«La légalité nous tue » – a legalidade nos mata. Esta frase dita pelo político conservador francês Odilon Barrot, que foi primeiro ministro sob o governo de Luiz Bonaparte, continua sendo a palavra de ordem da direita mais de século e meio depois que foi pronunciada, em 29 de janeiro de 1849.

No Brasil, a direita neoliberal atropela a lei nas CPIs fazendo-as bisbilhotar assuntos para as quais não foram constituída, tudo no esforço de paralisar o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva e tentar inviabilizar a eleição de um candidato do campo progressista – provavelmente o próprio Lula – na eleição de outubro deste ano. Na Venezuela, a oposição de direita nunca aceitou a presença do presidente Hugo Chávez à frente do governo e, desde a malfadada tentativa de golpe de Estado de abril de 2002, e também atropela a lei usando qualquer expediente para afastá-lo do governo.

Mas é a Itália de Sílvio Berlusconi o mais recente palco da afronta direitista à legalidade. Embora por margem muito estreita de votos, a coalisão de centro-esquerda liderada por Romano Prodi foi vitoriosa na eleição dos dias 9 e 10 de abril. Berlusconi, entretanto, não reconheceu aquela vitória e exigiu a recontagem dos votos, alegando fraude eleitoral. E vários representantes da coalisão vitoriosa denunciaram que o governo de Berlusconi pressionou indevidamente os juízes para que alterassem o resultado da eleição, dando provas de uma “grave falta de sentido das instituições”, queixaram-se vários deputados que apóiam Prodi.

A justiça italiana aceitou a reclamação da direita, mandou recontar os votos e, no dia 19, o Supremo Tribunal confirmou a vitória da coligação de centro-esquerda. Mesmo assim, Berlusconi – que já anunciou que não vai cumprimentar Prodi pela vitória, traduzindo neste gesto a truculência fascista da direita – rosnou contra a esquerda que, como disse num comício em Trieste, no dia 21, será incapaz de governar e seu governo será “um parêntesis”.

Foi um reconhecimento indireto de sua derrota, embalado na mesma ameaça que, no Brasil, foi brandida pela direita às vésperas da eleição de 2002, quando seus porta-vozes anunciavam o caos que ocorreria sob Lula.

No mesmo comício, Berlusconi ameaçou o governo Prodi: “nós usaremos todas as regras parlamentares para neutralizar seu governo e não permitir que ele massacre todas as reformas que fizemos”, acrescentou, num comportamento que lembra o dos neoliberais brasileiros que formam a oposição ao governo Lula.

Esta é mais uma das inúmeras provas que a direita deu de seu frágil compromisso com a democracia e a legalidade. Na França, ela comandou o massacre dos proletários de Paris que ousaram tomar o poder em 1871; mais tarde, implantou o fascismo na Itália, Alemanha e vários outros países, para tentar conter a luta dos trabalhadores e dos setores progressistas. Sob a hegemonia neoliberal, usou e abusou de métodos à margem da lei para eliminar direitos sociais e trabalhistas, e impedir o progresso dos povos. Basta lembrar, aqui, o desprezo do governo Bush pelas convenções internacionais e pela ONU, quando invadiu o Iraque, em 2003.