Obama: mesmice para “enfrentar” dificuldades

O discurso anual do presidente da República dos EUA perante o Congresso é uma peça esperada e importante que, todo início de ano, indica as linhas gerais que a principal potência política, econômica e militar do planeta vai seguir.

Este ano, o discurso de Brack Obama, no dia 25, foi pronunciado numa circunstância marcada pela combinação incomum de três situações: os EUA se encontram ainda sob os efeitos da grave crise econômica e financeira que teve efeito devastador sobre os empregos e a renda dos trabalhadores; a influência dos EUA no mundo declina e novos polos de poder surgem, principalmente a China; o presidente e seu partido acabam de sofrer uma severa derrota na última eleição geral, ocorrida em 2010, tendo perdido o controle da Câmara dos Deputados, inúmeros mandatos de governadores estaduais e diminuído sua maioria no Senado.

Nestas circunstâncias, o leque de temas abordados por Obama chama a atenção. Incluiu desde proclamações duvidosamente otimistas sobre a solução a médio prazo da crise econômica até apelos à unidade nacional entre democratas e republicanos, em nome da governabilidade.

Os EUA “podem ter quebrado a espinha dorsal desta recessão”, apostou, embora reconhecendo a lentidão dos sinais de recuperação econômica. Ele quer cortes orçamentários que beiram os 400 bilhões de dólares nos próximos cinco anos, fala em controlar gastos, reaquecer a economia, investir em energia limpa (e cortar os subsídios das companhias do petróleo), entre outras medidas.

Obama indica que tipo de retomada da economia pretende quando diz que os EUA são “o país do Google e do Facebook”, mas admitiu implicitamente a perda de competitividade dos EUA em relação a outras nações, particularmente a China e a Índia. Falou também nos reclamados investimentos em infraestrutura com os quais diz que quer fomentar a criação de empregos e alavancar o crescimento econômico. Pediu ainda a união entre os partidos para reformar as leis de imigração.

Neste particular, foi um discurso dirigido ao público interno no qual se incluem os trabalhadores sobre cujos ombros foi jogado o custo da crise econômica. Daí o apelo a “responsabilidades compartilhadas” entre republicanos e democratas para tirar o país da crise. "Vamos avançar juntos, ou não avançaremos”, disse. “Somos parte de uma mesma nação”.

É uma aposta. É preciso ver se o apelo cai em solo fértil, dúvida alimentada por duas realidades distintas. Uma, a derrota eleitoral de 2010; outra, a leve recuperação da aprovação popular a Obama depois do atentado contra a deputada democrata Gabrielle Giffords e seus apoiadores no Arizona. Pesquisas recentes mostram a aprovação de 51% da população.

O conteúdo do discurso é o esperado do presidente de um país em crise. Mas foi na parte internacional, voltada também de certa forma para o público interno, que a fala do principal mandatário da maior potência militar revela a mesmice, ao reiterar ameaças aos países que não se submetem aos ditames dos EUA e ratificar os objetivos estratégicos do império.

Obama fez o panegírico das tropas de ocupação no Iraque, voltou a brandir o fantasma do terrorismo para justificar a presença no Afeganistão e as incursões no Paquistão, enalteceu a estratégia de sancionar severamente o Irã e de pressiionar a Coréia do Norte na complexa questão das armas nucleares. Contabilizou como um êxito aquilo que os povos e as forças revolucionárias deploram e repudiam, a repaginação da Otan, levada a efeito na Cúpula de Lisboa em novembro do ano passado. O presidente dos Estados Unidos proclama-se muito satisfeito por ter chegado ao um consenso com seus aliados europeus na formulação de um novo conceito estratégico para esta organização militar de caráter agressivo.

O que o mundo pode esperar da fala de Obama? Mais do mesmo: a continuidade da agressão imperialista, o fortalecimento do imperialismo, o esperneio dos EUA para restaurar e manter sua influência. Como ocorre há décadas com os pronunciamentos presidenciais dos Estados Unidos, também o discurso de Obama não representou a defesa da paz e do desenvolvimento harmonioso das nações, mas a ameaça aos povos para que se submetam às determinações de Washington. Somando as dificuldades internas (crise econômica, desemprego, déficit público elevado, fortalecimento da oposição parlamentar dos republicanos) com os obstáculos externos (o atoleiro representado pelo Iraque e pelo Afeganistão, a contínua resistência palestina, as dificuldades diplomáticas em relação à Coreia e ao Irã, por exemplo), fica claro que o quadro de dificuldades tende a se agravar. Conflitos e não harmonia é o que a situação atual engendra.

Não é o que percebem alguns think tank de ultramar, aqui repetidos sem originalidade, embora apresentados como o non plus ultra da ciência política e da teoria de relações internacionais. A estratégia de Obama é vendida por esses círculos acadêmicos, que seguramente não são isentos de interesses políticos, como “um grande jogo” de um presidente que tem tomado decisões e obtido vitórias que poderão mudar radicalmente a situação internacional. Dentre estas decisões, contabilizam-se no ativo de acertos e vitórias, as mudanças acima referidas consubstanciadas no novo conceito estratégico da Otan.

A pretensão de apresentar Obama como um líder capaz de revolucionar a geopolítica mundial é própria de uma tendência acentuada nos dias que correm, a de ceder ao fascínio de um imperialismo pretensamente benigno e multilateralista, supostamente disposto a aceitar o mundo “multipolar,” e capitular à pressão das forças dominantes.

O discurso e as estratégias de Obama não podem ser saudados pelos povos como um grande jogo que resultará em mudanças substanciais da situação internacional. As mudanças ocorrem objetivamente, fruto dos movimentos de fluxos e refluxos próprios do enfrentamento entre forças políticas e sociais antagônicas. Quanto ao que vai revolucionar o quadro mundial, isto depende precisamente da intervenção e da acumulação de forças revolucionárias, com suas bandeiras claramente anti-imperialistas.