Saddam Hussein foi executado por desafiar os EUA

A cena final do filme Queimada, um clássico do cinema político (dirigido por Gillo Pontecorvo, 1969), mostra o enviado inglês William Walker (interpretado por Marlon Brando) tentando convencer o líder revolucionário de uma colônia caribenha recém independente, José Dolores (vivido pelo caribenho Evaristo Márquez) a fugir da prisão, na véspera de sua execução. Mas Dolores se recusa, indicando que se os colonizadores o condenaram, cabia-lhes executar a sentença. A mensagem era clara: na resistência contra o colonizador, o papel que agora cabia ao líder revolucionário condenado à morte era o de mártir, o de um herói capaz de instigar a continuidade da luta, um símbolo para mobilizar os lutadores contra a ocupação estrangeira.



Aquela cena de ficção, que se passa no começo do século XIX, foi vivida de forma cruel, abjeta e real, na Zona Verde, uma superprotegida fortaleza americana no coração de Bagdá, ao alvorecer do penúltimo dia de 2006: o enforcamento do presidente iraquiano Saddam Hussein.



Saddam foi uma figura controversa, acusado de chefiar uma ditadura e de inúmeras violações dos direitos humanos. Na década de 1980, apoiado e instigado pelos EUA, atacou o Irã, iniciando uma guerra sangrenta e sem perspectivas.



Mas não foi por isso que foi julgado e condenado. Nacionalista, chefiou um governo modernizador e laico numa região onde prevalece a tradição e a força da religião. Buscando a autonomia nacional e a afirmação árabe – e palestina – bateu de frente com os EUA e sua política para o Oriente Médio, transformando-se em forte obstáculo ao predomínio dos interesses geopolíticos norte-americanos na e a busca pelo controle do petróleo.
A retaliação dos EUA foi de natureza imperial: atacou o país em 1991; depois, durante mais de uma década, o submeteu a um bloqueio que empobreceu o Iraque e aumentou o sofrimento de sua população; finalmente, em 2003, nova guerra promovida pelos que se julgam senhores do mundo, início da desagregação, do caos e da violência que o país vive hoje.



O regime do partido Baath, com Saddam à frente, ruiu e, com ele, o que lá havia de vida normal e organizada; Saddam foi preso, submetido a uma farsa que os norte-americanos tentam impingir ao mundo como um julgamento “justo”, como disse o presidente George Bush, e condenado à morte.



Saddam Hussein foi, como diz a nota divulgada no dia 30 pelo secretário de Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo de Carvalho, “executado em decorrência de uma sentença ilegal proferida por um tribunal ilegal e manipulado pelas forças invasoras que ocupam o Iraque desde março de 2003. O tribunal que julgou e sentenciou Saddam Hussein não atuou ao agasalho da lei, mas sob o guante de ferro das  autoridades  de ocupação”.



A direita dos EUA – e o governo Bush, em particular – regozijam-se com a ignomínia cometida em Bagdá na manhã de 30 de dezembro. A destruição física de Saddam pode até ser apresentada, pela propaganda do imperialismo, como a conclusão do objetivo do ataque e ocupação do Iraque, dando para aqueles senhores da guerra uma saída “honrosa” do atoleiro em que se meteram desde março de 2003. Eles podem tentar apresentar a execução de Saddam como uma falsa “vitória” num quadro que tende a repetir o fracasso inglório que o imperialismo americano sofreu há três décadas, no Vietnã.



Mas o que se desenha no horizonte é sua derrota, militar e política. Eles não tiveram a ousadia de executar Saddam em um local público, nem mesmo em um local fechado mas previamente divulgado; tiveram que cometer sua vingança às escondidas, como criminosos que agem protegidos pelas trevas. E, longe de aumentar a lista dos criminosos de guerra, escreveram o nome de Saddam Hussein no rol dos heróis nacionais, um fantasma que continuará perseguindo as tropas de ocupação até sua derrota final.