Situação no Afeganistão: bate-boca na Casa Branca

A demissão do general Stanley McChrystal, comandante das tropas de ocupação do Afeganistão, pelo presidente Barack Obama levou a lama […]

A demissão do general Stanley McChrystal, comandante das tropas de ocupação do Afeganistão, pelo presidente Barack Obama levou a lama do atoleiro em que os EUA se meteram naquele país até os salões da Casa Branca.

O general foi despedido dia 23, numa semana em que as notícias apontam para o fracasso do imperialismo naquela espécie de "esquina do mundo", entre a Ásia e a Europa, que se especializou em derrotar invasores estrangeiros desde os tempos de Alexandre o Grande, que ocupou a antiga Bactria em 329 a.C. Nesta série milenar de resistência contra a agressão dos impérios, a dos EUA é apenas a mais recente, embora talvez seja a mais feroz.

A expressão "atoleiro" para descrever a situação das tropas de ocupação no país não é mera figura de retórica ante a tenaz resistência afegã, com reflexo direto na cúpula do imperialismo, que vê suas opções táticas malograrem e afunda-se num beco sem saída. O embate entre o presidente Barack Obama e o general Stanley McChrystal é o retrato desse impasse. Obama comprometeu-se em acabar com a guerra e tirar de lá suas tropas; ganhou até o prêmio Nobel da Paz por manifestar essa intenção. O general pensa de maneira oposta, e queria mais soldados para estender a guerra até uma improvável vitória militar. Daí suas críticas ácidas contra o presidente e membros do governo, nas quais usou palavras fortes como "despreparado" e até mesmo "palhaço" (para se referir ao general Jim Jones, assessor de segurança nacional do presidente) em uma entrevista que será publicada em julho na revista Rolling Stone.

Desentendimentos dessa natureza, e ainda públicos, não são apenas uma indicação de divergências quanto à maneira de conduzir a guerra. Na verdade essa superfície turbulenta oculta o fracasso das alternativas em jogo e a incapacidade de alcançar uma solução militar. Isto é, indicam a ameaça de uma derrota que vai se desenhando no horizonte.

O quadro, no Afeganistão, é de fato desfavorável para o imperialismo norte-americano e seus aliados. Seus indícios se multiplicam. Por exemplo, para garantir a segurança dos comboios que transportam mantimentos para as tropas, os EUA estão sendo obrigados a pagar (indiretamente) milhões de dólares a grupos armados afegãos, alguns deles ligados ao arquiinimigo Taleban, revelou uma investigação recente feita na Câmara os Deputados dos EUA. É um arranjo que alimenta "um vasto esquema de proteção mantido por uma rede obscura de senhores da guerra, homens fortes, comandantes, autoridades afegãs corruptas e talvez outros", disse o deputado democrata John Tierney, presidente de uma subcomissão de segurança nacional da Câmara.

Outro sinal é a ineficácia do aumento do número de soldados estrangeiros no país. As tropas norte-americanas foram reforçadas, em dezembro, com o envio de 30 mil soldados determinado por Obama. Com isso, as tropas do Tio Sam chegam, hoje, a 94 mil e ultrapassaram, em maio, o número de soldados que eles mantêm no Iraque, que é de 92 mil. Somados aos 10 mil soldados ingleses e aos 38 mil dos outros 43 países que compõem as tropas de ocupação, são 142 mil soldados estrangeiros em solo afegão.

A resistência afegã cresceu em resposta a esta escalada, como o próprio Conselho de Segurança da ONU reconheceu em maio. Nos primeiros meses de 2010, as explosões nas estradas aumentaram 94% em relação ao mesmo período de 2009. E o número de mortes de soldados invasores e de oficiais do exército afegão cresceu 45%. A resistência melhorou a produção e o uso de bombas artesanais, que são cada vez mais potentes e capazes inclusive de destruir veículos militares fortemente brindados, criando aquilo que o relatório do Conselho de Segurança da ONU classificou de "tendência alarmante", atribuída naquele documento ao "aumento das operações militares na região sul durante o primeiro trimestre de 2010". Isto é, a própria ONU reconhece que a responsabilidade pelo aumento da violência cabe ao incremento da agressão imperialista no país.

Tudo isso cobra do imperialismo um preço de sangue que ele não previa nem estava disposto a pagar. Em maio, o número de soldados norte-americanos mortos passou de 1.000 (um em cada 94); entre os ingleses, chegou a 300 (um em cada 33). É um volume de perdas que se acelerou. Nos primeiros sete anos da agressão, os EUA perderam 500 soldados no Afeganistão (uma média anual de 71 mortos); nos últimos dois anos, foram outros 500, e a média anual pulou para 250, um número 3,5 vezes maior. E morrem cada vez mais jovens: há dois anos, os mortos tinham, em média, 28 anos de idade; hoje, têm 25. Mais da metade deles são mortos justamente pelas bombas artesanais (que os norte-americanos chamam de IED, sigla em inglês para "dispositivos explosivos improvisados").

Nessa situação de descalabro, a discussão ocorrida hoje (dia 23) na Casa Branca entre o Obama e McChrystal pode ter tido um sentido que vai além da punição de um general indisciplinado pelo presidente da República para repor o respeito à hierarquia. Pode ter sido a busca de um administrador de uma massa falida.