Socialismo de feição venezuelana

O espectro do socialismo volta a rondar a América do Sul – o socialismo do século XXI, defendido pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela, de inspiração bolivariana e com acentuado sentido nacionalista.



O anúncio da intenção de colocar seu país no rumo da construção do socialismo foi feito por Hugo Chávez dia 8, na posse de seu novo ministério, e reafirmado no dia 10, quando o próprio presidente tomou posse para mais um mandato frente à presidência da República.


 


E já foi suficiente para acentuar a já pronunciada aversão das elites latino-americanas e do governo do presidente Bush, dos EUA, contra aquele governo que, com suas finanças irrigadas pelos dólares obtidos com o petróleo, prepara aceleradamente o rompimento com o neoliberalismo e seus dogmas que prevaleceram no pensamento e nas políticas econômicas latino-americanas nas últimas décadas.



Chávez anunciou a reestatização de setores estratégicos da economia venezuelana, aprofundando a intervenção do Estado para fomentar e dar rumo ao desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, iniciar a caminhada rumo ao socialismo que, em sua concepção, é inspirado em Marx, Fidel Castro e Jesus Cristo.



Foi o suficiente para elevar o tom das críticas costumeiras contra seu governo, uma reação em cadeia dos governos conservadores e de seus propagandistas neoliberais às medidas anunciadas que implicam, na contramão do que prevê o receituário neoliberal, no restabelecimento do controle do governo sobre setores estratégicos da economia, essenciais para o controle dos capitais e para a defesa da soberania nacional.



A reinauguração da intervenção governamental na economia baseia-se, inicialmente, na nacionalização e estatização dos setores que foram privatizados durante a onda neoliberal, como o elétrico e o telefônico;  vai também retomar o controle sobre a produção e o refino de petróleo, que ainda estão em mãos de empresas estrangeiras. O Banco Central também deixará de ser independente, voltando a fazer parte do governo e subordinado à sua política. “O Banco Central não deve ser autônomo. Essa é a tese neoliberal”, disse ele.



''As pessoas votaram pelo rumo do socialismo, as pessoas querem e exigem o socialismo, e a pátria precisa de socialismo'', disse Chávez em seu discurso de posse. ''É impossível a igualdade sem o socialismo'', completou. Nesse sentido, e frisando a intensão de buscar o rumo do socialismo, proporá várias alterações à Constituição, inclusive uma fortemente simbólica: a mudança do nome oficial do país, de ''República Bolivariana da Venezuela'' para ''República Socialista da Venezuela''.



Com as reformas constitucionais ele pretende criar novos padrões institucionais para o relacionamento entre governo e empresa privada, adotando uma orientação social na economia e recriando a regulamentação sobre a ação do capital, que foi desmontada pelas políticas neoliberais de seus antecessores na presidência da República, políticas adotadas para garantir a liberdade do capital e dos grandes especuladores.



Pretende também desenvolver novas relações trabalhistas que fortaleçam a participação dos trabalhadores na gestão das empresas. Quer, além disso, criar cooperativas de produção através das quais os trabalhadores poderão administrar empresas que hoje estão fechadas, em regime de auto-gestão.



Aparentemente não haverá hostilidade às empresas privadas: Hugo Chávez disse que os empresários privados não devem ter ''medo do socialismo'' pois há lugar para eles no modelo econômico que propõe, no qual contudo “deve prevalecer a busca do bem comum, acima do lucro individual desmedido que caracteriza o capitalismo e gera a pobreza das maiorias”.



O anúncio feito por Hugo Chávez é mais um importante passo para enfrentar o imperialismo e o neoliberalismo. Ele já vinha anunciando o ''socialismo do século XXI'', que agora toma contornos mais nítidos, em busca de um modelo de feição venezuelana para ultrapassar o capitalismo e suas mazelas. Ele corresponde às condições históricas concretas da Venezuela, marcada por um processo de mudanças profundas desde o primeiro mandato de Hugo Chávez, em 1999, e de enfrentamentos profundos e acentuados entre as forças populares e democráticas, contra uma classe dominante corrupta, antinacional e antipopular, sustentada pelo imperialismo norte-americano e seus representantes no país.



A busca do socialismo, na Venezuela, segue assim seu próprio caminho, constrói seu próprio modelo e, assim, procura soluções venezuelanas para resolver, de forma avançada, as contradições de sua sociedade. E demonstra, mais uma vez, a necessidade da defesa da Pátria para a construção de uma sociedade justa e avançada. É um caminho cheio de obstáculos, como mostram aqueles que já foram superados por Hugo Chávez e pelo povo venezuelano – o principal foi a tentativa de golpe de Estado de abril de 2002, patrocinada pelos EUA e pela classe dominante local, e derrotada pela pronta resposta do povo, que se levantou em defesa da legalidade. Este talvez seja o grande mérito da proposta de Hugo Chávez feita na semana passada: a disposição de enfrentar estes entraves e travar a luta decidida para superá-los e construir um país livre e soberano e um povo próspero.