A flor a que Drummond se referia renasce sempre em meio ao caos

.

Se é fato que a humanidade de tempos em tempos enfrenta situações de caos extremo, além do caos estrutural de todos os dias, também é verdadeiro que a solidariedade e o altruísmo, verdadeiras marcas do amor ao próximo se manifestam na maneira mais pura: desinteressada. 

Essas atitudes anônimas ocorrem diariamente em todo mundo, embora apenas algumas sejam noticiadas. É o certo, o bem deve ser algo que deve ser naturalizado pela humanidade. Porém, em tempos de caos, como a tragédia em que vivemos com esta pandemia, onde houver atitudes de amor, devem ser levadas a todos, porque nelas residem a esperança de que iremos atravessar essa turbulência.

É preciso noticiar sim, que um senhor de 87 anos, na Índia, cedeu seu lugar no hospital a um jovem, que segundo ele, merecia viver porque ainda havia muito a se fazer, e ele, o senhor, já havia feito a sua parte. Se assim ocorreu, foi o homem octogenário que escolheu, foi decisão sua, não do presidente da Índia, não dos médicos.

No interior de São Paulo, um jovem médico tratou e ajudou na recuperação de sua antiga professora do primário, ele a esperou acordar do coma, e fez questão de dividir com ela seus primeiros momentos pós quase encontro com a morte. É o trabalho dele cuidar de qualquer paciente, mas reside neste ato a concentração do que de mais importante deve haver na medicina, o afeto do cuidar, e descobrimos em meio a este caos, que enfermeiros e médicos em todo o mundo descobriram que a melhor vacina é o amor ao próximo, porque literalmente muitos profissionais de saúde se colocaram no lugar do paciente. 

Uma jovem recém formada, resolveu ministrar aulas de reforço em sua comunidade, gratuitamente. Respeitando os limites que garantam a segurança de todos. Desempregada, foi a razão que ela encontrou para enfrentar a dificuldade do tempo. 

Poetas em todo o Brasil resolveram, através das redes sociais, levar à poesia ao povo que enclausurado em casa, busca formas de descontração, eles, os poetas deixam em seus versos mensagens de otimismo e protestos também. 

Aliás, a Arte de maneira geral sofreu muito desde o início da Pandemia, entretanto, à medida que o tempo foi passando, os segmentos foram ganhando espaço na redes sociais, e mesmo com o abandono do governo, na assistência aos artistas, eles não abriram mão de seu compromisso de levar a Arte ao povo, exposições virtuais de artes plásticas, lives de shows, peças de teatro, contações de história. O mundo da Arte agoniza mas o show não parou. 

Professores se virando nos trinta em meio à perseguição e acusações de que não querem trabalhar, contudo, as aulas nunca pararam, cada um investindo mais de seu tempo, e de seu parco dinheiro, para tentar melhorar as aulas. A jornada agora não tem limites. É a qualquer hora. 

Um padre vai contra o sistema e se torna voz dos moradores de rua na grande Metrópole do país. Enfrenta acusações, mas segue firme em seus propósitos de que todos merecem dignidade.

Inúmeros outros casos serviriam de exemplo a essa forma de amor que vai de encontro ao modelo imposto pelo capitalismo. O amor do desapego, o amor de quem divide o pouco, o amor caos, entretanto, as flores insistem em nascer no asfalto, em cada atitude desinteressada de amor ao próximo. 

Em meio a tudo isso, todos precisamos sobreviver, um poeta vende seus livros anunciando aos amigos no Brasil todo, no mesmo anúncio em que critica o descaso político com os pequenos. Uma professora faz pão com poesia, e essa mistura alimenta corpo e alma ao mesmo tempo. Em tempos de caos, o bem e a coragem se agigantam e gente compreende que ainda vale a pena viver.

O autor é professor da Rede Estadual de Ensino do Ceará e mestre em Letras pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG