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Adalberto Monteiro: Barata

*

Não sabe quando,
mas um juramento ela fez:
um dia irá à China,
Laos, Camboja, Hong Kong
ou alhures…
para no interior daquelas
inebriantes e intrigantes
edificações,
que só viu no cinema,
mansamente sorver ópio
e viajar infância a fora.
Voltar à placenta.
Tomar sorvete
com seu primeiro namorado
na tarde mais quente
e seca de agosto.
Deitar novamente
no colo do pai,
beijar novamente
a mão do avô,
chorar de novo
aquela morte que comoveu tanto.
Roubar frutas,
navegar em barquinhos de papel,
feito um castor
erguer barragens
no curso das enxurradas.
Novamente a primeira comunhão
cantar:
Sim, irei ao altar do Senhor…
Pura, pura,
hóstia feito bala menta
no céu da boca.


 



Fisgada, lívida dor,
imenso prazer,
vez primavera.
E zarpar para Plutão
à velocidade da luz.
Dar uma paradinha
E ver de perto
aquele vermelho de Marte
e seguir infinito adentro…


 



Ah! quisera ter ópio,
tibetanas tragadas,
naquela comprido cachimbo
desde o ópio
me trouxesse você aqui.
Minha cabeça no seu colo,
a sua paz,
você ressoando
sobre o meu peito…


 


mas não há cerveja,
não há ópio,
não há você
e esta insônia,
areia arranhando meus olhos.
A companhia de ninguém,
exceto
de uma barata
que se empanturra
com o açúcar
despejado num canto da casa
armadilha que inventei
para atraí-la.


 



Verbos do Amor & Outros Verbos – Adalberto Monteiro.