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Aidenor Aires: Carlos Nejar, o inquilino da poesia

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Durante três dias acompanhei o poeta Gabriel Nascente e seu convidado ilustre, o escritor Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras. Afaguei meu coração com a presença de Nejar, que há muito desejava conhecer. Culpo-me por certa timidez sertaneja. Não me aproximo facilmente das pessoas. Ainda mais as importantes. Tenho aqui um medo de ser intrujão, incômodo, inconveniente. Somente o sorriso acolhedor, o gesto de assentimento me fazem aproximar, abrir o riso, a alma, a palavra. Assim, não foi com o poeta Nejar. Caminheiro de longas estradas, marinheiro de muitas rotas, pampeano de ínvias cavalgadas, o poeta chegou a Goiânia em carícia de chuva, neste setembro que teima em ser agosto. Desde o aeroporto, onde fomos buscá-lo, abriu para Goiânia seu riso imenso. Sua voz pacificadora e profética. Abraçou e foi abraçado, numa entrega de irmão e semeador. Tem uma bela obra que segue a sua frente. Um canto universal e humano que o conduz. Nejar tem apenas que seguir seu chamado, sua convocação para estalar em poema, elevando a grande voz e repartindo a alma dos ventos, o arrepio das ondas, o beijar da brisa e o roçar de afetos. Ali, na Pousada do Rio Quente, no útero morno da montanha, revolvemos o caldo original, a linfa jorrada das cumeeiras do magma. E lá estava o poeta com sua placidez convulsa, seu silencioso tropel interior, acudindo atento, espichando olhos e ouvidos para sua musa Elza, a alacridade luminosa de Gabriel Nascente. O Poetinha proclamava em seu guarda-sol de metáforas a irmandade com os seixos, a água, a serragem e os pássaros. Também à mesa, Nejar deixava rolar o pranto de um único olho, por isso reservava o olho enxuto para as iguarias, as falas gentias ou os acentos lúgubres. A tudo pacificava contemplando. Depois, aqui no Diário, foi acolhido por Batista custódio, esse irmão na distância. Compartiram, Nejar e Batista, o instante breve da poesia que dura para sempre. Duas grandes almas atentas aos dilemas do mundo, mergulhadas no luminoso e sombrio solar humano. Um, pastoreando cascatas e matos no Matogrosso; outro, estendendo portulanos, indagando rumos de sua Casa do Vento, na Urca, na terra de São Sebastião, onde vocifera e geme o oceano. Nejar foi recebido na Academia Goiana de Letras. Lá estava o Presidente Modesto Gomes, vários acadêmicos, admiradores do poeta. Falou pouco de sua carreira, de seu trajeto de vida e canto. Depois empolgou a lira do aedo, do bardo, recolheu poemas e os foi debulhando sobre nossos ouvidos hipnotizados, sobre nossa frágil condição de seres menores tocados por alguma brisa de eterno. Assim soou sua voz enrolada de coxilha e minuano. Por um instante nos quedamos à sombra da poesia projetada pela voz de um grande poeta. Cantou como se já estivesse aí desde o primeiro sol. Cantou e foi se desfiando em verso, em música, em vento. Nejar estendeu sobre a tarde de Goiânia seu canto poderoso. Como o que tinha de mais profundo e doce para oferecer. Porque, como afirma: “O poeta não tem biografia, o poeta tem canto.”