apurado do tempo

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Foto: Ana Mary C. Cavalcante


“tudo se transforma”. a frase é clichê e é mantra. lugar-comum, para dizer das mudanças pelas quais a vida passa – e nos leva; na maioria das vezes, nesta ordem. por esta época, há um ano, eu pedia demissão do emprego e de outros amores. e aqui tropeço em outra frase-clichê: “onde não puderes ser feliz, não te demores”. a única certeza que eu tinha, naquela época, era a de uma tristeza profunda. o resto era mar. (ou amar – a mim mesma).

fui náufraga por um tempo, agarrada aos destroços do que tinha sido embarcação. assim, houve dias de só me manter segurando em que me salvava, enquanto a vida seguia o curso. mar revolto. até que eu alcancei a terra firme, com todas as minhas forças (minha mãe, minha irmã, meus amigos, minhas crenças, meus quereres). um dia de cada vez, uma noite de cada vez, uma onda de cada vez.

este setembro, no meio de uma pandemia, de tantas perdas e de um ano morto, ainda foi um rescaldo. as lembranças sempre são, até que se viva o bastante para, naturalmente, esquecer algumas delas. eu espero – e desejo, mais do que antes – viver esse bastante.

andei por esse tempo que passou, enquanto eu seguia a borboleta da foto entre terra e céu. ela é uma das minhas companhias, nesta quarentena infinita. tem aparecido, sempre, no jardim da casa da minha mãe, e deixa eu me aproximar, como se fosse me dizer alguma coisa (eu imagino). talvez que tudo, realmente, se transforma. que nada se perde, quando se vive o que há para viver. passar pela dor, para chegar ao que importa. ir além. descobrir a leveza de ser.

“o nome dela é Chuva de Prata”, me escreveu meu amigo passarim. achei bonito e quis contar. só isso, migs

Foto: Ana Mary C. Cavalcante
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