Boas Festas: o “hino” do Natal que nasceu da solidão de Assis Valente

Primeira “letra triste” do compositor seria gravada por Carlos Galhardo, Novos Baianos e outros

O compositor Assis Valente e uma de suas principais intérpretes, Carmem Miranda

O baiano José de Assis Valente tinha 24 anos em 1932, já vivia há quatro no Rio de Janeiro e estava sozinho e deprimido na noite de 24 de dezembro, véspera do Natal. Viu uma folhinha de calendário na parede, em um quarto de pensão em Niterói, pegou papel e lápis, começou a escrever:

Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou
Feliz a rezar…

Naquela noite solitária, estava nascendo uma das mais conhecidas canções populares do Brasil, que alguns consideram o “hino” do Natal. Segundo o biógrafo Gonçalo Junior (autor de Quem Samba Tem Alegria, publicado em 2014), que descreveu a cena acima, foi a primeira “letra triste” escrita por Assis Valente. Boas Festas seria gravada no ano seguinte por Carlos Galhardo. Nos anos 1970, ganhou versão dos Novos Baianos.

O mesmo grupo interpretou outro sucesso do compositor, mais um hino, desta vez, à irreverência: Brasil Pandeiro, de 1941. Assis compôs pensando na musa Carmen Miranda, que não a gravou, para decepção do autor. O registro original é dos Anjos do Inferno. Quem também gravou Assis foi Maria Bethânia (Camisa Listrada).

Mas Carmen gravou outras obras, como a original E o Mundo Não se Acabou, sátira ao sempre anunciado fim do planeta. Assis também tinha um agudo lado cronista, como mostram, por exemplo, Recenseamento e Para Onde Irá o Brasil, que ganhou orquestração de Pixinguinha em gravação de 1933 (e chegou a provocar sua prisão, porque alguém viu subversão na obra). Mestre Pixinguinha gravou Cai, Cai, Balão, mais uma canção assinada por Assis.

Vida incerta

Intérpretes como Orlando Silva, Nara Leão (Fez Bobagem) e Ademilde Fonseca, entre outros, também registraram ao microfone composições de Assis Valente, um dos grandes criadores brasileiros, que ganhou a vida fazendo próteses.

Vida que, no caso de Assis Valente, sempre oscilou delicadamente entre alegria e tristeza. Até que ele decidiu pôr fim a tudo, no final da tarde de 11 de março de 1958, uma terça chuvosa no Rio, em um parquinho onde hoje se situa o largo da Glória, na zona sul carioca. Endividado e entristecido, avisou a várias pessoas que aquele era o último dia.

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual

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