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Canto a Fidel, o poema de Che Guevara para Fidel Castro 

“Vamos, / ardoroso profeta da alvorada, / por caminhos longínquos e desconhecidos, / liberar o grande caimão verde que você tanto ama…” Assim se inicia Canto a Fidel, escrito pelo médico argentino Ernesto Guevara de La Serna, o Che, para o advogado Fidel Castro Ruz, em 1956, no México. Ao lado de mais 80 guerrilheiros, eles estavam prestes a se lançarem pelas águas do Caribe, a bordo do iate Granma, em direção a Cuba. Tinham um lema: “Seremos livres ou seremos mártires”.

Por André Cintra

Che e Fidel

A amizade entre Fidel e Che era recente e remetia ao exílio do revolucionário cubano. Em 1953, aos 26 anos, Fidel foi preso depois da malsucedida tentativa de assaltar o Quartel Moncada, em Santiago de Cuba. Condenado a 15 anos de prisão, ficou detido por apenas 22 meses no Presídio Modelo da Ilha dos Pinheiros. Tudo porque, em maio de 1955, o governo do ditador de Cuba, Fulgêncio Batista, sob pressão popular, resolveu anistiar os presos políticos.

Uma vez livre, Fidel partiu, junto a alguns companheiros, para a Cidade do México, onde seu irmão Raul Castro já o esperava. A estada no exterior, iniciada em 7 de julho de 1955, tinha o objetivo de organizar um movimento armado para promover a revolução em Cuba.

Dois anos mais novo do que Fidel, Che Guevara – que, na juventude, visitou diversos países latino-americanos para desvendar a realidade econômica e social do continente – já conhecia o México. Em 1953, fora enviado à capital do país para cobrir, como repórter fotográfico, os Jogos Pan-Americanos. No mesmo ano, formou-se em Medicina e intensificou a vida militante.

Quando soube que Fidel estava exilado na capital mexicana, Che foi a seu encontro. Encontraram-se numa noite de julho de 1955. Apesar das diferenças de formação e estilo, conversaram noite adentro, até o amanhecer. “Ter conhecido Fidel Castro, o revolucionário cubano, é um acontecimento político”, anotou Che em seu célebre diário. “É jovem, inteligente, seguro de si e de uma audácia extraordinária: creio que a empatia foi mútua.”

Guevara estava certo. Ele também caiu nas graças do cubano, a ponto de logo ser designado médico da expedição que prometia retornar a Cuba para fazer história. E se tornaram amigos, tantas eram as afinidades entre eles – a começar pelo sentimento comum de que as Américas deveriam resistir à ofensiva imperialista no continente. Mais do que um ideal patriótico, viam uma genuína utopia de libertação nacional no movimento revolucionário forjado em Cuba.

Canto a Fidel, o poema de Che, é composto cerca de um ano depois desse primeiro encontro e faz uma conclamação épica à luta, de olho “no trânsito para a história da América”. Num único verso – “Juremos atingir o triunfo ou encontrar a morte” –, a poesia sintetiza o desprendimento do grupo exilado no México. Guevara expressa a lealdade daqueles revolucionários não apenas à causa – mas também à liderança de Fidel Castro: “Nem pense que possam minguar nossa integridade”.

Pois em 25 de novembro de 1956, ainda de madrugada, o Granma, superlotado, excedendo em três vezes seu limite de peso, zarpou do porto mexicano de Tuxpan, em Veracruz, na direção de Cuba. Era o primeiro passo do plano para chegar às montanhas da Sierra Maestra e retomar a luta armada. Mesmo com o mau tempo, a lendária embarcação despistou a guarda costeira mexicana, entrou no Golfo do México e depois no mar do Caribe, até alcançar a costa cubana.

Embora não tenha sido descoberto pelas Forças Armadas de Cuba, o Granma, já quase sem combustível e próximo à praia Las Coloradas – seu destino –, atolou-se nos Cayuelos. Muitos guerrilheiros morreram durante a viagem. Ao começarem a desembarcar, por volta das 6 horas de 2 de dezembro de 1956, os combatentes foram flagrados por uma lancha e um barco de carga, delatados aos militares e capturados.

A operação teve de ser abortada, mas parte dos guerrilheiros estava de volta a Cuba. Entre os 13 sobreviventes que escaparam do cerco do governo Batista e foram para a Sierra Maestra, estavam Fidel, Raúl e Che – que, assim, pisou em solo cubano pela primeira vez. Fidel, apesar das perdas, ressaltou a proeza da expedição do Granma e declara: “Agora, sim, ganhamos a guerra!”.

Com novas adesões – inclusive de camponeses locais –, a guerrilha domina o quartel de La Plata Abajo, na Sierra Maestra, em janeiro de 1957, no primeiro avanço de uma série que culminou, em dois anos, na Revolução Cubana. Com Che Guevara à frente do Exército Rebelde, os guerrilheiros da Sierra Maestra derrubaram a ditadura de Batista e chegaram ao poder em janeiro de 1959.

Che assumiu o Banco Nacional e, depois, foi nomeado ministro da Indústria. Morreria em 1967, na selva boliviana, depois de trocar as tarefas sob o regime socialista cubano pela retomada da atividade guerrilheira. Fidel se tornou primeiro-ministro (1959-1976) e presidente (1976-2008). Morreu em 2016, ano em que o poema em sua homenagem completou seis décadas.

Leia abaixo o poema de Che Guevara a Fidel Castro:
Canto a Fidel
(Ernesto “Che” Guevara)

Vamos,
ardoroso profeta da alvorada,
por caminhos longínquos e desconhecidos,
liberar o grande caimão verde que você tanto ama…

Vamos,
derrotando afrontas com a testa
plena de martianas estrelas insurretas,
juremos atingir o triunfo ou encontrar a morte.

Quando soar o primeiro tiro
e na virginal surpresa toda a floresta acordar,
lá, ao seu lado, calmos combatentes
você nos terá.

Quando sua voz proclamar aos quatro ventos,
reforma agrária, justiça, pão e liberdade,
lá, ao seu lado com sotaque idêntico,
você nos terá.

E assim que chegar o fim da jornada
A sanitária operação contra o tirano, ali, a
seu lado, aguardando a derradeira batalha,
você nos terá.

No dia em que a fera lamber o lado ferido
onde o dardo nacionalizador lhe acertar,
ali, a seu lado, com o coração altivo,
você nos terá.

Nem pense que possam minguar nossa integridade
as decoradas pulgas armadas de presentes;
pedimos um fuzil, suas balas e um rochedo.
Nada mais.

E se o nosso caminho for bloqueado pelo ferro,
pedimos uma mortalha de lágrimas cubanas
para cobrir nossos ossos guerrilheiros
no trânsito para a história da América.
Nada mais.