Celso Marconi: Brasília brilhou em nova forma

Festival de Brasília demonstrou como o cinema tem importância para a realidade do mundo e conseguiu reunir os mais famosos cineastas brasileiros

Cena do filme O Baile Perfumado, de Lírio Ferreira, que foi tema de uma mesa no 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

O 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro conseguiu acontecer, segundo todos afirmam, graças ao secretário de Cultura e Economia Criativa, o jornalista pernambucano Bartolomeu Rodrigues, que mora lá em Brasília há mais de 40 anos – e que reverteu a situação do que já estava dado como evento cancelado. E também pela presença do cineasta Silvio Tendler, que foi o curador geral do Festival.

O Festival realizou várias mesas e inclusive uma delas para mostrar a sua história. Nela, o cineasta Lírio Ferreira representou Pernambuco e falou sobre o sucesso que foi o seu filme O Baile Perfumado, que praticamente deu início à fama do estado como grande produtor cinematográfico, fama que continua até hoje. Foi uma mesa coordenada por Sergio Moriconi, onde também falaram Edgard Navarro, Murilo Salles, Joel Pizzini, Marcélia Cartaxo, Lais Bodanzky, Tata Amaral e outros.

Só tive oportunidade de ver três longas desse Festival, pois quando notei já haviam se passado três dias do Festival. Mas, além de demonstrar como o cinema tem importância para a realidade do mundo – e isso principalmente pela forma de seleção –, o Festival conseguiu reunir, nos seis dias em que aconteceu, os mais famosos cineastas brasileiros. Mais do que aconteceria certamente se o Festival fosse apenas localizado fisicamente em Brasília.

Lastimo não ter visto os filmes Espero que Esta te Encontre e que Estejas Bem, de Natara Ney; Longe do Paraíso, de Orlando Senna; e Utopia Distopia, de Jorge Bodanzky. Não se pode ter tudo na vida ao mesmo tempo, como disse a minha amiga Rachel Rangel.

(Olinda, 21.12.2020)

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POR ONDE ANDA MAKUNAIMA

Um dos concorrentes no 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Por Onde Anda Makunaima foi realizado por Rodrigo Séllos, que é de Roraima, penso, mas fez o curso de cinema da Universidade Federal Fluminense. Séllos é um jovem cineasta e esse é seu primeiro longa. A importância do filme é justamente pela análise que faz em torno da figura de Macunaíma. E ele seguiu o que dizem do personagem pessoas ligadas ao mundo primitivo da Amazônia.

Depois, ele analisa o que foi dito por Mário de Andrade no seu romance. Ele faz o mesmo através do filme de Joaquim Pedro de Andrade. E termina por analisar a peça teatral dirigida por Antunes Filho. Enfim, é um excelente documentário em torno do mito e da cultura brasileira. Quando escolhe filmes como este para sua seleção de concorrentes, o Festival de Brasília ganha a dimensão fundamental que sabemos que ele tem.

(Olinda, 19. 12. 2020)

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ENTRE NÓS TALVEZ ESTEJAM MULTIDÕES

Esse filme Entre Nós Talvez Estejam Multidões, participante oficial do 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, também fala sobre a realidade do nosso país. E particularmente de uma categoria de pessoas que está tentando se fixar num nível de base econômica mais estável. Não são marginais soltos nas ruas. São integrantes de famílias. E o filme feito por um mineiro, Aiano Bemfica, e por um pernambucano, Pedro Maia de Brito, documenta a vida numa “invasão” em Minas Gerais.

Montagem com cenas e cartazes de Entre Nós Talvez Estejam Multidões

Cada sequência é uma estória. Mostra um participante da “invasão” agindo. Logo no começo, temos o discurso de um participante falando sobre a candidatura de Bolsonaro à Presidência – e é notável como se dá uma análise corretíssima dessa candidatura. Mas temos gente cantando. Jogando bilhar. Conversando. E os dois diretores conseguiram criar uma narrativa leve para o filme, mesmo que o assunto em si não seja leve. Talvez esse tipo de cinema seja o que se possa dizer que tem a estrutura de uma pesquisa antropológica, pois não só documenta – mas também deixa as dicas para a análise da vida que estamos conhecendo.

(Olinda, 20. 12. 2020)

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SALVAR A CINEMATECA

Um dos fatos mais drásticos deste momento político que estamos vivendo é o desmonte que a Cinemateca Brasileira, em São Paulo, está passando. O governo Bolsonaro quer porque quer acabar com esse instrumento de manutenção da memória brasileira. E uma campanha grande vem aos poucos acontecendo para tentar evitar esse desastre.

O Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que terminou em sua 53 edição, montou um debate sobre esse assunto com registro no YouTube. É sem dúvida um dos momentos fundamentais atualmente do movimento cinematográfico. A mesa foi coordenada por Roberto Gervitz, que está participando da luta diretamente lá em São Paulo e acompanhando as conversas que estão acontecendo com membros do governo federal.

Participaram Eduardo Escorel, Ana Maria Magalhães, Aurélio Michiles, Cacá Diegues, Vladimir Carvalho e Silvio Tendler. Todos falaram muito bem. Escorel analisou mostrando que, para salvar a Cinemateca Brasileira, tem de ser salvo o próprio País dessa tempestade que estamos vivendo. Salvo não só a pandemia – mas também do governo, que, como ele disse, não é só incompetente. É um governo que quer destruir o que o País tem de mais precioso para o seu desenvolvimento, que é a Cultura.

(Olinda, 20. 12. 2020)

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IVAN, o TerrirVEL

O filme que encerrou o 53º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi justamente este, Ivan, o TerrirVel, falando sobre o cineasta Ivan Cardoso e seu cinema de “terrir”, uma espécie de chanchada com inspiração na arte de vanguarda e no filme de terror. É certamente o mais “louco” fotógrafo e cineasta brasileiro. Participou pessoalmente de todo o movimento de vanguarda no Brasil dos anos 70 e 80 do século passado. Fez muitos filmes e alguns conseguiram algum sucesso de público, principalmente pelo uso que ele fazia de cenas eróticas.

Claro que é um cinema inteligente no fundamental. Mas sem dúvida não aprofunda os assuntos que são levemente abordados. No entanto, não é simplesmente chanchada. Nesse documentário criado por Mário Abbade, Ivan é o narrador e provavelmente orientou o roteiro. Além desse filme sobre Ivan, o diretor – jornalista, crítico de cinema, professor – fez um outro sobre Neville d’Almeida.

Aqui, ele criou certamente a estrutura para que Ivan Cardoso falasse sobre seus trabalhos. É um extenso depoimento. E ele, Ivan, fala muito. Vai explicando de certa forma como fez e também um pouco por que fez – e com que intenção. O filme instiga o espectador a ver os filmes de Ivan Cardoso. Um momento fundamental é aquele em que o roteirista R. F. Lucchetti fala acerca dos roteiros que escreveu para os filmes de Ivan e como eles foram aproveitados.

(Olinda , 21.12.2020)

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