Do Encouraçado a Daniel Blake, 91 anos de filmes sobre trabalhadores

Não há arma melhor para combater a alienação do que o conhecimento organizado e, sob sua asa, um dos seus mais nobres subprodutos: a cultura

Uma manifestação de trabalhadores de Chicago, EUA, pela redução da jornada de trabalho, em 1886, originou o 1º de Maio como Dia do Trabalhador, há 135 anos. O protesto pacífico encerrou-se à base de violência policial com um saldo macabro de dezenas de feridos e 11 mortos. Oito organizadores foram incriminados injustamente. Três foram presos, um suicidou-se e quatro – Spies, Fischer, Engel e Parsons – foram enforcados.

Com origens enraizadas naquele massacre, o 1º de Maio é marca do trabalhador moderno que, cansado da exploração, começa a entender que pode também agir para mudar a situação.

Como o operário de Vinícius de Moraes, quando ele diz:

Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.

Falando assim até parece fácil, mas tem chão até a massa de trabalhadores entender que pode – e de que forma pode – se unir para pressionar e buscar melhorar a vida. Não. Isso não é automático ou fácil. Ainda mais quando o mundo conspira para que o operário seja, antes de tudo, um alienado.

Mas nós temos nossas armas. E não há arma melhor para combater a alienação do que o conhecimento organizado e, sob sua asa, um dos seus mais nobres subprodutos: a cultura. Literatura, música, artes plásticas, teatro e cinema são meios através dos quais o povo pode tanto se expressar quanto formar uma percepção sobre o contexto no qual se insere. Este instante solitário de compreensão do trabalhador é, afinal, uma epifania que pode ser provocada e reforçada pelas artes.

Neste leque de opções e formatos que a cultura oferece, o cinema é o que hoje melhor consegue atingir os trabalhadores. Além de ser material para formação, o cinema tem a particularidade de, assim como o trabalhador moderno, ser fruto do mundo industrial e urbano. E isso torna a conversa ainda mais interessante. Mesmo que o cinema seja também indústria, com suas divisões do trabalho e de capital, ele pode ser um instrumento de contestação desta mesma estrutura.

Assim foi com Serguei Eisenstein e seu cinema com claro propósito político. Assim foi com Charles Chaplin, que, mesmo após crescer nessa indústria, nunca renegou suas raízes e sempre deu voz aos trabalhadores e aos oprimidos.

Sem mais rodeios o ponto é, nos 135 anos do massacre de Chicago, sob o argumento do cinema como fonte de inspiração para a mudança, recomendo filmes produzidos ao longo de 91 anos. A lista a seguir foi extraída do livro O Mundo do Trabalho no Cinema, publicado pelo Centro de Memória Sindical, em 2015.

Para este especial do Prosa, Poesia e Arte (Portal Vermelho), os textos foram revisados, resumidos e ainda foi acrescentado um filme belíssimo, lançado em 2016, que é, ao mesmo tempo, a síntese da negligencia do Estado capitalista com o trabalhador e a capacidade do trabalhador de resistir, sem perder a ternura: Eu, Daniel Blake, do cineasta Ken Loach.

São 15 filmes que falam sobre o mundo do trabalho e sobre os trabalhadores no centro dos conflitos que movem a história.

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O Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin)

  • União Soviética, 1925, Direção: Serguei Eisenstein
  • Elenco: Aleksandr Antonov, Vladimir Barski, Grigori Aleksandrov, A. Levchin, Mikhail Gomorov

O Encouraçado Potemkin já ultrapassou 90 anos e continua atual, sendo assistido com proveito pelos trabalhadores. Não foi somente seu tema que o tornou um clássico do cinema mundial, mas também a maneira revolucionária de sua realização pelo cineasta soviético Serguei Eisenstein (1898-1948).

Narrado de maneira inovadora por Eisenstein, o filme quase exemplifica a forma como se desenvolve a consciência de classe: marinheiros maltratados pelos oficiais que os comandam, em condições de trabalho profundamente degradadas, revoltam-se e acompanham a revolução proletária que ocorria em Odessa, na Rússia Tzarista, em 1905.

A revolta contada no filme realmente aconteceu; o encouraçado Potemkin era um navio da frota do Mar Negro da Rússia. Construído em 1898, ele estava em serviço desde 1904. A revolta ocorreu em junho de 1905, motivada pelas más condições impostas aos marinheiros.

O encouraçado chegou a estar em serviço sob os bolcheviques, depois da Revolução Russa de 1917, ainda em plena 1ª Guerra Mundial; foi capturado pelos alemães em 1918 e entregue aos aliados em 1919, que explodiram o navio para impedir que, depois da guerra, voltasse a ser utilizado pelo governo bolchevique. O que sobrou do navio foi desmontado em 1922.

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Tempos Modernos (Modern Times)

  • EUA, 1936, Direção: Charles Chaplin
  • Elenco: Charlie Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Stanley Sandford, Chester Conklin

Na década de 1930, a produção em série industrial era a imagem da modernidade, impondo um estilo de vida que se baseava no tempo de trabalho, na hierarquia do sistema produtivo e no poder de consumo que cada camada desta hierarquia passou a ter.

Em Tempos Modernos, Charles Chaplin satiriza a linha de produção do sistema fordista. Um clássico do tema do trabalho, o filme se passa no período imediatamente posterior à depressão econômica de 1929, decorrente da quebra da Bolsa de Nova York, quando o desemprego atingiu em cheio a sociedade norte-americana. Nele a “modernidade” figurada na sociedade industrial, urbana, na linha de montagem e na especialização do trabalho, é alvo da crítica.

Tempos Modernos é uma crítica pungente e eficiente da modernidade capitalista. Quando foi lançado, em 1936, o filme chegou a dar prejuízo. Mas, ao longo da história, consolidou-se como um dos principais filmes jamais produzidos.

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Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette)

  • Itália, 1948, Direção: Vittorio De Sica
  • Elenco: Enzo Staiola, Lamberto Maggiorani, Lianella Carell

Um dos filmes mais marcantes do neorrealista italiano, Ladrões de Bicicleta expõe o drama do desemprego logo após 2ª Guerra Mundial em uma Itália derrotada e em profunda crise econômica. Não há trabalho e o povo está imerso na pobreza.

A primeira cena do filme já mostra o contingente de desempregados, amontoados ao redor de um funcionário público, em busca de uma vaga. Os empregos oferecidos exigiam uma qualificação que a maior parte daqueles proletários não tinha. O protagonista, Antonio Ricci, consegue uma das poucas vagas para uma função mais simples: de colador de cartazes. Mas, para isto, precisa de uma bicicleta.

Vemos, nas entrelinhas dessa cena, a ascensão e especialização da indústria metalúrgica, demandando técnicos como torneiro mecânico, e também a ascensão da indústria de entretenimento, já que os cartazes são para a divulgação de eventos culturais.

Ocorre que, no exercício de sua função, Ricci tem a bicicleta roubada. Imerso na dor e na angústia pela perda do instrumento de trabalho, ele tenta encontrá-la com a ajuda do filho. Eles vivem, a partir daí, o pesadelo de procurar os pedaços da bicicleta nas feiras de Roma, pois a prática dos ladrões é desmontar o objeto para vender as peças.

O filme mostra que os “despossuídos”, agindo sozinhos, não conseguem se incluir na vida social. Sozinho, o operário se difunde como mais um na multidão.

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Sindicato de Ladrões (On the Waterfront)

  • EUA, 1954, Direção: Elia Kazan
  • Elenco: Marlon Brando, Karl Malden, Eva Marie Saint

Sindicato dos Ladrões mostra a corrupção em uma organização sindical dos portuários estadunidenses, na década de 1950, e o processo de conscientização social do jovem Terry Malloy. Desgarrado do grupo, ele compreende a importância da união dos operários e se volta contra o sindicato corrupto.

O filme foi produzido em meio ao clima de histeria anticomunista que marcou os EUA na época do macarthismo. Nesse sentido, Sindicato de Ladrões está cercado pela lenda da traição, nas telas e fora delas. O protagonista Terry, por exemplo, foi traído pelo irmão advogado, Charlie.

Nos bastidores, o diretor Elia Kazan, que havia sido membro ativo do Partido Comunista dos EUA, foi acusado pelo Comitê de Atividades Antiamericanas no Congresso, que movia o macarthismo anticomunista, e acabou por delatar antigos camaradas do partido. Um deles era o dramaturgo Arthur Miller, que trabalhava no roteiro do filme, mas o abandonou quando foi pressionado para descrever como comunistas os vilões e gangsters. Desde então, Elia Kazan foi visto e apontado como um dos principais delatores do macarthismo.

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Os Companheiros (I Compagni)

  • Itália, 1963, Direção: Mario Monicelli
  • Elenco: Marcello Mastroianni, Annie Girardot, Renato Salvatori, Bernard Blier, Folco Lulli

No fim do século 19, a indústria europeia crescia a todo vapor e a exploração do trabalho operário não tinha limites. Foi neste contexto que, nas imediações de Turim, Itália, a chegada do professor Sinigaglia coincide com a data de um desastre que mobilizou os operários: um trabalhador, exausto devido sua carga de 14 horas diárias, descuida e perde um braço na máquina que operava. O fato faz os demais operários questionarem suas condições e, sobretudo, a jornada de trabalho.

Mas, sem experiência, aqueles trabalhadores não conseguem agir organizadamente, e a chegada de Sinigaglia os ajuda. Mas não foi por acaso que ele desembarcou naquela região industrial, conhecida pela degradação ao trabalhador. Seu objetivo era justamente organizar a classe trabalhadora e formar sindicatos.

O tom documental do filme insere-se no rescaldo do neorrealismo italiano do final da 2ª Guerra Mundial. Os Companheiros mostra situações reais. E o ponto crucial da crítica de Monicelli é conflito entre a tomada de consciência do operariado a partir de sua própria situação e a necessidade de um “instrutor” que venha de fora para organizar os trabalhadores.

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A Classe Operária vai ao Paraíso (La Classe Operaia Va in Paradiso)

  • Itália, 1971, Direção: Elio Petri
  • Elenco: Gian Maria Volonté, Mariangela Melato, Gino Pernice, Luigi Diberti, Donato Castellaneta

Subir na carreira, ascender socialmente e almejar pequenas tentações da sociedade de consumo ou arriscar-se na luta por um mundo mais justo? Este dilema é o mote de A Classe Operária Vai ao Paraíso.

O filme conta a história de Lulu, um metalúrgico tão dedicado que chega a ser adorado por seus patrões e odiado por seus colegas. Considerado alienado e despolitizado, ele não se envolve em protestos sociais e vive sonhando com aquilo que imagina que o dinheiro lhe permitirá consumir. Eis que um acidente reverte esta história. Ao operar sua máquina de trabalho Lulu perde um dedo – um choque de realidade que faz com que ele perceba que a vida propagada pelo mercado capitalista não está ao seu alcance. Ele, então, passa a se ver como parte de uma classe social, a classe operária.

Neste processo de conscientização política ele se vê entre o radicalismo do movimento estudantil e o pragmatismo do movimento operário, e procura o velho companheiro Militina, operário que enlouquece devido às condições do trabalho na fábrica.

O filme reflete as profundas mudanças do capitalismo na década de 1970 e a crescente contestação do padrão fordista dominante.

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Norma Rae (Norma Rae)

  • EUA, 1979, Direção: Martin Ritt
  • Elenco: Sally Field, Beau Bridges, Ron Leibman, Pat Hingle

Se em alguns filmes o debate sociológico fica subjacente, em outros ele aparece como sua própria linha condutora. A construção do enredo do filme Norma Rae, por exemplo, está cravada no trabalho e na sindicalização em uma indústria de tecidos nos EUA.

Exibido a partir de 1979, época da Guerra Fria, e de grande efervescência nas organizações de esquerda, pode-se imaginar o impacto que o filme causou. A obra se consagrou como um dos clássicos sobre o mundo do trabalho. Sally Field, que vive a personagem que dá nome ao filme, figurou como modelo para militantes de esquerda da época.

Norma Rae cumpre seu papel na exposição das ações sindicais, mas não se aprofunda nos conflitos que marcavam o interior das próprias organizações e mostra os sindicalistas e militantes como salvadores, desprovidos de incertezas. Até mesmo seus erros parecem enaltecê-los. Enquanto Norma Rae veste a carapuça de heroína dos tempos modernos, Reuben não vacila em ditar “verdades e lições”. O filme é baseado na história real de Crystal Lee Sutton, que liderou uma campanha contra as condições de trabalho oferecidas pela J.P. Stevens Mill.

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Gaijin – Caminhos da Liberdade

  • Brasil, 1980, Direção: Tizuka Yamazaki
  • Elenco: Kyoko Tsukamoto, Antônio Fagundes, Jiro Kawarazaki, Gianfrancesco Guarnieri, Louise Cardoso

A história de Titoe e Yamada, que se casam para formar um grupo familiar aceito pela companhia de emigração, expõe a trajetória do início da imigração japonesa para o Brasil. Se hoje os japoneses estão integrados à nação brasileira, tendo estabelecido um rico intercâmbio sociocultural, esta adaptação, em princípio, foi muito dura. Ao imigrante eram oferecidas as piores condições de trabalho. Suas moradias eram precárias e a infindável conta na mercearia era uma das maneiras de prendê-los à fazenda. Isto sem falar no choque cultural, revelado, logo de cara, na drástica diferença das línguas. Este é o contexto do filme, que tem como cenário o imenso cafezal da Fazenda Santa Rosa, em São Paulo.

A poesia nostálgica das lembranças sobre os rituais típicos e sobre a beleza da cultura de liberdade do povo do Sol Nascente dá delicadeza e ritmo ao filme. O contraste do perfil dos imigrantes italianos e japoneses também é um aspecto abordado até com certo humor, em algumas cenas. Enquanto os italianos eram despachados, agitadores e espalhafatosos, os japoneses eram comedidos, obedientes e disciplinados.

Este premiado filme, que marcou a estreia no cinema da neta de imigrantes japoneses Tizuka Yamazaki, é uma referência obrigatória para a compreensão do trabalho no Brasil.

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Eles Não Usam Black-Tie

  • Brasil, 1981, Direção: Leo Hirszman
  • Elenco: Gianfrancesco Guarnieri, Fernanda Montenegro, Carlos Alberto Riccelli, Bete Mendes, Milton Gonçalves, Francisco Milani.

Baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, o filme mostra os embates ideológicos entre o líder sindical Otávio e seu filho, o jovem operário alienado, Tião, no contexto da greve dos metalúrgicos de São Paulo em 1979, no período final da ditadura militar no Brasil (1964-1985).

Naquele ano, o País vivia o auge do movimento grevista iniciado em São Bernardo do Campo em 1978. Diferentemente de São Bernardo, a greve em São Paulo foi marcada por embates dentro da própria categoria e pela prática de piquetes nas fábricas, situações envolvidas por muita tensão e ânimos acirrados.

Foi durante a greve retratada no filme que o metalúrgico Santo Dias foi assassinado com um tiro nas costas disparado pela polícia, em frente à fábrica Sylvania, no dia 30 de outubro de 1979. O filme retrata a tragédia, com o ator Milton Gonçalves no papel de Santo.

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Hoffa, um Homem, uma Lenda (Hoffa)

  • EUA, 1992, Direção: Danny DeVito
  • Elenco: Jack Nicholson, Danny DeVito, Armand Assante, J.T. Walsh, John C. Reilly

Em dezembro de 1975, a TV norte-americana noticiou o desaparecimento do sindicalista James Riddle Hoffa, de 62 anos. Hoffa foi visto pela última vez no estacionamento do restaurante Machus Red Fox, em Detroit, no final de julho daquele ano. Seu sumiço foi extensivamente investigado nos anos seguintes, inclusive pelo FBI. Nunca se chegou a alguma conclusão. Seu corpo nunca foi encontrado e, em 30 de julho de 1982, ele foi declarado morto. Desde então esta é uma ferida aberta na história dos EUA.

Dezessete anos após sua morte, o ator e diretor Danny DeVito, resolveu remexer nesta história com o filme Hoffa, um Homem, uma Lenda. Para isto, contou com a ajuda do experiente Jack Nicholson para dar vida ao personagem. Interpretando Hoffa, Nicholson expõe a trajetória do sindicalista às novas gerações. Uma história que, acima de tudo, revela a repressão e o cerceamento com que os Estados Unidos tratam as organizações de trabalhadores.

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O Germinal (Germinal)

  • França, 1993, Direção: Claude Berri
  • Elenco: Miou-Miou, Renaud, Gérard Depardieu, Jean Carmet, Judith Henry, Jean-Roger Milo

Com 550 metros de profundidade, a mina Voreux era formada por diferentes andares. Lá, a exploração do trabalho era contínua. Mas a chegada do operário Etienne promove importantes mudanças no cenário nas minas de carvão.

O mineiro se espanta com a precariedade das condições de trabalho e incentiva os operários a prepararem uma greve. Juntos, eles percorrem as minas da região, chamando outros trabalhadores a juntarem-se ao movimento. O Germinal nos mostra as relações de exploração entre capitalistas e operários e a maturação do movimento sindical.

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Billy Elliot (Billy Elliot)

  • Inglaterra, 2000, Direção: Stephen Daldry
  • Elenco: Jamie Bell, Julie Walters, Jamie Draven, Gary Lewis, Jean Heywood, Stuart Wells, Nicola Blackwell

Billy Elliot se passa na era Thatcher, em meio ao fechamento de muitas minas de carvão da Inglaterra, às greves dos mineiros de carvão e ao cotidiano da classe operária inglesa. O filme conta a história de um garoto de 11 anos com talento para a dança. Seu pai, Willian Elliot, e seu irmão, Tony Elliot, são mineiros de carvão do norte da Inglaterra, grevistas e piqueteiros. O garoto, obrigado pelo pai a treinar boxe, fica fascinado com os ensaios de balé, realizados na mesma academia.

O conflito se estabelece quando ele começa a participar das aulas de dança. Entre os mineradores, sobretudo aqueles que estavam no fervor dos combates das greves, não era aceitável um garoto tornar-se bailarino. O estigma de feminilidade do balé torna-o alvo de muitos preconceitos. Elementos como a busca pela realização pessoal, a aceitação da diferença e a superação são colocados, com muita sensibilidade, neste filme. As situações de crise, tanto no trabalho quanto no nível das relações pessoais e familiares, apontam caminhos interessantes, marcados por um processo de amadurecimento. Billy Eliot toca em questões muito caras aos trabalhadores, que dizem respeito ao sutil contraste entre moral e falso moralismo.

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Segunda-Feira ao Sol (Los Lunes al Sol)

  • Espanha, 2002, Direção: Fernando Leon de Aranoa
  • Elenco: Javier Bardem, Serge Riaboukine, Luis Tosar

Segunda-Feira ao Sol trata do desemprego de longa duração, de ofícios que se tornam obsoletos, postos que se tornam extintos, etc. Simbolicamente, trata-se de homens e mulheres que não conseguem encontrar um lugar ao sol.

O filme está contextualizado no período subsequente à década de 1980, quando uma nova divisão internacional do trabalho causou um impacto significativo em alguns setores industriais em países de capitalismo avançado, como Espanha e Reino Unido. O agudo processo de desindustrialização e de reconversão produtiva, que atingiu o mundo do trabalho, contribuiu para o aumento significativo do desemprego em massa e do desemprego de longa duração. Isto sem falar no processo de precarização do trabalho que se traduziu em uma grave desvalorização da mão de obra. Operários, vítimas da globalização do capital e das mutações do capitalismo global, viram-se obrigados a buscar inserções precárias no mercado de trabalho do crescente setor de serviços.

Ambientado em uma cidade portuária ao norte da Espanha (na região da Galícia), seu tema é a vida dos desempregos e subempregados de um antigo estaleiro que, comprado por investidores coreanos, foi transformado em um hotel de luxo. Trabalhadores que, à pergunta “Que dia é hoje?”, têm sempre a mesma e única resposta: segunda-feira ao sol.

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Terra Fria (North Country)

  • EUA, 2005, Direção: Niki Caro
  • Elenco: Charlize Theron, Thomas Curtis, Frances McDormand, Sean Bean

Terra Fria conta a história de Josey Aimes, uma mulher jovem e bela que começa a trabalhar em uma mina para sustentar a família, sofre assédio sexual no trabalho e move a primeira ação de classe por assédio sexual da história. Além da questão da política sexual, há também uma luta emocional que envolve as relações problemáticas de Josey com seu pai, Hank, e com seu filho adolescente, Sammy, que se constrange pela notoriedade da mãe.

Fica claro que o “sexismo” – ou seja, a ênfase na questão sexual e de gênero na conduta, o machismo, neste caso – está disseminado entre homens, que executam, e mulheres, que não se manifestam. Por outro lado, a sensatez também é atributo dos dois gêneros. Há homens que se levantam em favor de Josey, contra o assédio sexual de outros colegas.

O debate de fundo é acerca do direito de a mulher exercer funções tradicionalmente designadas aos homens, como trabalhar na mina, ganhar dinheiro o suficiente para sustentar-se e a sua família e mover ações judiciais em defesa de sua classe. O filme traz a questão: a inclinação natural da mulher é (e deve ser mantida como) a maternidade e o cuidado com a casa? Parece uma ideia ridícula, mas ela ainda está muito presente.

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Eu, Daniel Blake (I, Daniel Blake)

  • Reino Unido, 2016, Direção Ken Loach
  • Elenco: Dave Johns, Hayley Squires, Dylan McKiernan, Briana Shann

Cineasta experiente e engajado, Loach tem toda uma obra dedicada à classe operária e à população mais vulnerável na escala social. Seus filmes são mais do que obras de ficção, eles trazem estudos e denúncias do mundo capitalista. Em Daniel Blake, ele mantém seu foco no heroísmo de homens comuns, mostrando a história de um carpinteiro de 59 anos que sofre um ataque cardíaco e parte em uma empreitada para obter o benefício do Subsídio de Emprego e Apoio (Employment and Support Allowance). Enquanto ele se esforça para atravessar o labirinto burocrático e fazer valer seus direitos, conhece Katie, uma jovem mãe solteira que acaba de se mudar para um alojamento com dois filhos pequenos.

Daniel, Katie, os vizinhos e as crianças estabelecem um vínculo de afeto e cooperação, mesmo não tendo qualquer vínculo consanguíneo, e mesmo tendo perfis diferentes. O filme mostra situações realmente penosas e constrangedoras como a insensibilidade dos servidores no atendimento àqueles que precisam – e tem direito – de recursos, além de situações limite, onde Katie é obrigada a recorrer a um banco de doação de alimentos.

Como levantou a jornalista Neusa Barbosa no Cineweb/Reuters, a beleza do filme está no fato de que, “mesmo num cotidiano de privações, Daniel encontra tempo e disponibilidade para ajudar seus jovens vizinhos imigrantes e também Katie, outra vítima da formidável teia da burocracia britânica, que multiplica obstáculos no caminho de quem requer benefícios sociais”.

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4 comentários para "Do Encouraçado a Daniel Blake, 91 anos de filmes sobre trabalhadores"

  1. Annette Trzcina disse:

    É um tesouro que precisamos usar para continuar construindo meios para sair do caos…….

  2. Tudo que a Carolzinha faz é muito bom, mas aqui ela se superou… ❤️

  3. Glaydson Marques disse:

    Gostaria de compartilhar o meu apreço a sua seleção e adicionar a sua lista o filme A Que Horas ela Volta, um filme simplesmente contestador e grandioso.

  4. Diogo Gomes dos Santos disse:

    Surpreso com esta lista de 15 filmes, sendo um terço de filmes norte-americanos, um Soviético/Russo e entre os brasileiros, constar “Eles não Usam Blak-Tie”. Não me refiro ao valor dos filmes em si, mas ao caráter ideológico da lista, que por sí só, fala muito da condição do filme brasileiro continuar estrangeiro em seu próprio território. Apenas para ilustrar, lembro de “Retratos de Teresa” do cubano Pastor Vega, “Actas Marúsia” do chileno Miguel Littín, “São Paulo, S.A.” de Luís Sérgio Person. Mas isso não tira o brilho e a oportunidade do artigo da Carolina.

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